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A Microsoft salvou um filme inteiro em um pedaço de vidro e isso é o futuro chegando

Em Novembro passado, Satya Nadella subiu ao palco para apresentar as maiores inovações da Microsoft, durante a Ignite 2019. Foram tantas novidades que uma delas pode ter passado despercebida pela maioria dos entusiastas de tecnologia. Era apenas um pedaço de vidro, mas com o potencial de mudar a forma como armazenamos dados.

O volume de informações produzido pelo mundo moderno atingiu proporções impressionantes. A estimativa é que 2.5 exabytes de dados são gerados a cada 24 horas. Isso são 2.500 petabytes de informações, 2 milhões e meio de terabytes, todos os dias. Com a amplificação da Internet das Coisas, da Realidade Aumentada e dos veículos autônomos, dados formaram uma nova camada que nos cerca continuamente e a demanda só irá aumentar. 

Essa nova realidade que está se construindo agora exige maior capacidade de armazenamento de informações e os especialistas estão preocupados com mais um fator: durabilidade. É fundamental que as informações de hoje estejam acessíveis daqui a dez, cinquenta, cem anos e a preservação digital exige o mesmo nível de cuidado que tivemos com películas, vinis, livros de papel e outras mídias. Afinal, é a História da nossa sociedade que está em jogo.

Homem de Vidro

Mas, afinal, o que tinha no pedaço de vidro exibido pelo CEO da Microsoft? A placa de 75 x 75 mm, e apenas 2 milímetros de espessura, continha armazenados os 143 minutos do filme Superman (1978), da Warner Bros. A placa também continha o primeiro fruto do trabalho do chamado Projeto Silica da empresa, uma iniciativa de pesquisa de novas mídias de preservação de material digital.

A partir das pesquisas, foi possível utilizar lasers óticos ultrarápidos para gravar o filme na placa em formato de voxels. Ao contrário de pixels, voxels são tridimensionais, com diferentes tamanhos, formatos e orientações, o que permite codificar um volume maior de informações. Com a tecnologia desenvolvida na Microsoft Research, atingiu-se uma escala nanoscópica de gravação, que permitiu inserir mais de 100 camadas de informações em apenas 2 milímetros de espessura, atingindo uma densidade inédita no setor. Ao todo, são 75.6 GB de dados mas códigos redundantes contra erros.

É fácil olhar para a placa e criticar que ela não é muito menor que um DVD ou um Blu-Ray, que já são capazes de armazenar filmes há décadas (o primeiro DVD foi disponibilizado para o público em 1995, e o primeiro Blu-Ray foi anunciado em 2002). Entretanto, há um grande diferencial no Projeto Silica: sua resiliência. O vidro e os dados nele preservados são capazes de resistir a temperaturas extremas equivalentes a de um forno, podem sobreviver a radiação de microondas, soterramentos, inundações, arranhões e qualquer processo de desmagnetização. Uma vez gravadas, as informações podem permanecer na mídia potencialmente por milhares de anos, superando em larga margem qualquer outro modelo de armazenamento.

O Homem de Aço

Essa abordagem torna a placa de vidro extremamente atraente para empresas cinematográficas e a escolha de Superman simboliza isso. A Warner Bros tem um século de arquivos de filmes, séries e animações, para cinema e televisão, além de décadas de programas de rádio que necessitam ser preservados e a gigante de Hollywood investe pesado em uma infraestrutura de backups redundantes atualmente.

Em seu planejamento, a Warner possui três instalações diferentes protegidas, cada uma delas com uma cópia de cada componente de seu vasto catálogo. Elas estão distribuídas em diferentes regiões do planeta para se precaver de catástrofes naturais ou incidentes, como inundações, terremotos ou incêndios. A cada três anos, todo esse material é replicado novamente em formato digital para contornar a degradação comum de toda mídia convencional.

É evidente que uma empresa como a Warner, cuja riqueza reside justamente no seu capital intelectual e no seu catálogo, não pode se dar ao luxo de perder dados. Como explicou sua CTO, Vicky Colf, durante a apresentação ao lado da Microsoft: “imagine se um título como O Mágico de Oz ou um programa como Friends não estivesse disponível para geração após geração… É por isso que assumimos o trabalho de preservar e arquivar nosso conteúdo com muita seriedade.”

Então, a iniciativa da Microsoft se torna uma alternativa impressionante para salvaguardar um pedaço de nossa cultura, capaz de sobreviver a intempéries que destruiriam outras mídias e que dispensa necessidades especiais de temperatura ou regravação. Peter Kazansky, um dos engenheiros que trabalha no projeto definiu: “essa tecnologia pode garantir a última evidência de nossa civilização: tudo o que aprendemos não será esquecido”.

O Vidro na Nuvem

Entretanto, a indústria do entretenimento não é o único público alvo do Projeto Silica. A Microsoft está focada no crescimento da nuvem e na necessidade do chamado armazenamento frio, quando uma vasta quantidade de dados precisa ser preservada, mas não estar necessariamente disponível para acesso imediato.

Essa iniciativa pode, portanto, atender à demanda de arquivamento de dados médicos de milhões de pacientes, contratos legais, plantas de planejamento urbanos e outras informações pertinentes que podem permanecer guardadas por meses ou mesmo anos, sem serem consultadas, mas que se tornam imprescindíveis de serem recuperados quando a necessidade surge.

Por conta disso, a placa de vidro da Microsoft não foi desenvolvida para atender ao usuário doméstico, que continuará usando DVDs e Blu-Ray ainda por anos, ou acessando seus filmes por streaming. No estado atual, a leitura das informações guardadas na placa exige um microscópio controlado por computador que utiliza aprendizado de máquina para decodificar e reconstruir os dados a partir dos padrões de luz polarizada quando ela passa através da placa. É um procedimento que, por enquanto, só pode ser realizado em laboratório, em condições específicas, mas que compensa todas as vantagens da tecnologia para o armazenamento de dados frios.

“Uma coisa importante que queríamos eliminar é esse ciclo caro de mover e reescrever dados para a próxima geração. Queremos realmente algo que você possa colocar na prateleira por 50, 100 ou 1.000 anos e esquecer até precisar”, explicou Ant Rowstron, da Microsoft Research Cambridge, no Reino Unido, parceira da iniciativa.