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Funcionário Número 4

É perfeitamente possível afirmar que sem Bill Fernandez não existiria o iPhone. É perfeitamente possível afirmar que sem Bill Fernandez talvez você nem mesmo tivesse ouvido falar em Steve Jobs. Porque sem Bill Fernandez, não haveria o primeiro Apple, provavelmente não haveria A Apple.

Mas quem é Bill Fernandez? Ele foi o Funcionário Número 4.

O Começo

Para entender seu papel na História, temos que voltar um pouco no tempo, para os anos 70.

O jovem Fernandez cresceu no que viria a ser o Vale do Silício, filho de um pai que era advogado, chegou a Juiz e foi Prefeito por um tempo. Mas, de sua mãe, Fernandez herdou o gosto pelo minimalismo que seria determinante para sua carreira muitos anos depois e que pode ser apontada como um dos berços da elegância da Apple. Formada em estudos orientais, sua mãe decorava a residência no estilo japonês.

Entre as aspirações artísticas de sua mãe e o pendor jurídico do pai, Fernandez foi na contramão e se apaixonou por eletrônica. Aos 13 anos, já construía seus primeiros dispositivos. Aos 15, infernizava os colegas de escola e a vizinhança com um embaralhador de sinais de televisão, que interferia com a recepção de canais próximos. Aos 16 anos, ajudou um amigo do colégio quatro anos mais velho a construir um computador com peças eletrônicas sucateadas.

Esse amigo atendia pelo nome de Steve Wozniak.

O futuro mago da computação levou as peças que tinha conseguido em seu estágio em uma empresa eletrônica para a garagem de Fernandez. Juntos, trabalharam ferrenhamente nos diagramas que Wozniak havia rascunhado no papel. O “computador pessoal” não processador, tela ou teclado. Tudo o que ele fazia era processar cartões marcados e dar saída em forma de luzes que piscavam. Mas estava à frente do seu tempo, à frente do que dois garotos podiam fazer e foi o começo de uma jornada que ainda não terminou. A dupla batizou sua criação de “The Cream Soda Computer”, em homenagem ao refrigerante que tomavam sempre que paravam para descansar e pedalavam de bicicleta até a lanchonete mais próxima.

Fernandez era o protótipo de nerd: compenetrado, interessado em um campo do conhecimento pouco atrativo para sua época, com poucos amigos no colégio. Se Wozniak era um desses amigos, o outro era ninguém menos que um certo Steve Jobs.

Wozniak - Jobs
Wozniak e Jobs

Jobs era frequentador assíduo da casa de Fernandez, ao ponto da mãe deste último considerar o futuro guru da Apple como se fosse um “segundo filho”. O sentimento era recíproco. E o que mais fascinava Jobs era o senso estético da decoração japonesa da casa do amigo: o minimalismo, o apreço pelo simples, mas elegante, se infiltrou na mente do jovem Jobs para nunca mais sair.

Em uma tarde andando de bicicleta com Jobs, Fernandez viu Wozniak lavando o carro no quintal de casa. Naquele momento, Bill Fernandez teve a ideia que mudaria o mundo e resolveu apresentar os dois Steves um ao outro. Dali para frente, a História estava feita.

Apple I

Wozniak e Jobs ser tornaram inseparáveis na época. Esse período está mais do que coberto em livros e documentários: juntos, decidiram fundar a Apple e lançar o Apple I, o primeiro computador pessoal comercial da empresa, produzindo direto da garagem de Jobs.

Neste momento, Wozniak tinha um emprego fixo na HP e na verdade não colocava muita fé na empreitada. Apesar da máquina ser uma versão aperfeiçoada do “The Cream Soda Computer” de Woz que Fernandez havia ajudado a tornar real, Jobs era a locomotiva à frente da empreitada. Jobs acreditava que os computadores pessoais iriam decolar em um futuro próximo.

Quando a HP também montou uma divisão para a criação de computadores pessoais mas não chamou Wozniak para trabalhar nela, Woz finalmente aceitou que a revolução estava chegando e que a melhor forma de participar dela seria por suas próprias mãos, com a ajuda dos amigos. Mas nas horas vagas de seu expediente na HP, porque seguro morreu de velho.

Bill Fernandez
Bill Fernandez

Jobs precisava de ajuda e pensou de imediato em Bill Fernandez. O amigo também estava trabalhando na HP, uma oportunidade que havia aparecido por recomendação de Wozniak. Entre seguir uma carreira estável na HP ou entrar de cabeça na empreitada que seus dois grandes amigos estavam armando, Fernandez não pensou duas vezes, deu o aviso prévio na HP.

Nesse meio tempo, Jobs conseguiu investimento para a Apple e Fernandez acabou entrando na empresa como primeiro funcionário contratado. Depois de Jobs, Wozniak e  o investidor Mike Markkula, Bill Fernandez ganhou o crachá com o número 4 da Apple.

Antes de Fernandez entrar para trabalhar naquela garagem, Jobs havia colocado sua irmã Patty para montar chips nos computadores em produção pagando um dólar por placa. Fernandez entrou na função recebendo 3 dólares por hora de trabalho. Por hora, ele conseguia inserir bem mais do que 3 chips, mas só descobriu depois: “então, eu fui a primeira redução de custos de Steve Jobs”, declarou anos mais tarde.

Foi uma época onde Jobs e Fernandez passavam longas horas sozinhos na garagem, experimentando, montando peças, conversando. Wozniak só aparecia depois de seu expediente na HP. Jobs cuidava da parte administrativa do negócio e Fernandez era o técnico em eletrônica. E o faz-tudo. Não era apenas o primeiro funcionário. Era o único, então.

Apple II

Com o relativo sucesso do Apple I, era a hora de evoluir para o Apple II. Wozniak mais uma vez integrou diversos componentes que ninguém tinha pensado em colocar juntos, com o mínimo de partes possíveis. Como sempre, não fez diagramas completos, mas apenas rascunhou detalhes para que ele mesmo pudesse se lembrar. Tudo se encaixava magistralmente em sua mente. Seu protótipo funcionava com perfeição.

Mas na fábrica, as coisas não iam bem. O protótipo de Wozniak era o único computador que era estável. Seus diagramas eram incompreensíveis. Tentar transformar a genialidade em algo que pudesse ser reproduzido em escala, em um produto rentável, não apenas no delírio de um inventor,  estava se provando uma tarefa hercúlea. O recém-contratado Engenheiro Chefe Rod Holt não estava conseguindo pegar o que seu chefe havia feito e recriar.

Nesse momento, volta à cena Bill Fernandez, pela terceira vez se revelando a mola escondida que catapultou a Apple. Apesar de ser apenas um técnico em eletrônica dentro da estrutura da empresa, Fernandez tinha um dom que nenhum outro funcionário tinha: entender a mente de Wozniack. Desde o “The Cream Soda Computer”, desde a quarta série do colégio, ele sabia como funcionavam os mecanismos lógicos do amigo e como traduzir seus rascunhos.

Bill Fernandez
Bill Fernandez

“Quando Woz projetava algo, a maioria do design estava em sua cabeça”, revela Fernandez. “A única documentação que ele precisava eram um punhado de páginas e rabiscos para lembrá-lo da arquitetura geral e alguns detalhes capciosos. O que a empresa precisava era um esquema completo mostrando todos os componentes e exatamente como eles estavam conectados”.

Fernandez e Holt se debruçaram sobre o desafio: fazer a engenharia reversa do protótipo de Wozniak. “Eu desenhei o primeiro diagrama completo do Apple II, trabalhando com páginas xerocadas das anotações de Woz escritas em papel quadriculado. Tendo trabalhado com Woz antes… isso foi uma tarefa precisa mas exaustiva.”

O Apple II foi produzido e se tornou o porta-estandarte da Revolução da Computação Pessoal que viria em seguida.

Afastamento e Triunfante Retorno

Inconformado com o papel de técnico em eletrônica e sem o devido reconhecimento, Fernandez acabou se afastando tanto da Apple quanto da tecnologia por um período. Chegou a sair do país e trabalhar como professor de inglês no Japão. Foi cantor e chegou a aparecer na TV japonesa. Foi mestre em Aikido.

Tinha mágoas. Tanto Jobs quanto Wozniak cresceram e desapareceram dentro da empresa, enquanto Fernandez ficou para trás. Tentou subir para o cargo de Engenheiro, mas foi negado. Na época em que a Apple distribuiu ações para diversos funcionários, técnicos não foram contemplados.

Mas em 1981, de volta do Japão, Fernandez não tinha outra escolha: tecnologia ainda era sua paixão, ainda era o que queria fazer. Bateu na porta de Steve Jobs e pediu seu emprego de volta. O banco de dados da Apple continuava o mesmo: o crachá com o número 4 ainda estava esperando por ele.

Na época, Jobs estava montando o que poderia ser chamado de “empresa dentro da empresa”. Enquanto a Apple absorvia o sucesso do Apple II, Jobs seguia olhando para frente e acreditava que o mercado de computação pessoal precisava de uma nova sacudida. O reinado do Apple II não iria durar para a sempre com a concorrência atacando fortemente por todos os lados com produtos similares ou até melhores. A Apple precisava de um salto evolutivo. A Apple precisava do Macintosh.

Com diversos executivos supostamente gabaritados nos postos administrativos da Apple, Jobs para eles era uma relíquia do passado, alguém com pouca experiência de mercado, mas que não podia ser deixado de lado facilmente. Quando Jobs pediu carta branca para reunir um time de profissionais para pensar no próximo produto, recebeu verba, um prédio e um “boa sorte”.

O seu time “secreto” de desenvolvimento só poderia ter funcionários de confiança e de competência. Bill Fernandez reunia as duas características. Pela quarta vez, o antigo amigo de colégio desempenharia um papel importante no crescimento da Apple.

“O time de desenvolvimento do Macintosh era basicamente um ambiente repleto com amor – amor por nossos entes queridos e nossos familiares, porque essas eram as pessoas que nós mantínhamos em mente como nossa audiência alvo”, afirma Fernandez. A visão de Jobs era levar a computação pessoal para pessoas comuns, ampliando exponencialmente o mercado da Apple. Funcionou.

Fernandez inicialmente continuou funcionando como um técnico e como alguém capaz de apagar incêndios e exercer múltiplas tarefas diferentes. Com o desenvolvimento do Macintosh, seu interesse e seu talento foi mudando para a interface de usuário. E, considerando o impacto que o Macintosh exerceu sobre UI nas décadas que viriam, fica claro que a influência de Fernandez foi fundamental: “Todas aquelas coisas que nós conscientemente pensamos sobre como criar um padrão de elementos visuais que comunicam suas funções e como nós criamos padrões que dão a você uma forma consistente de interagir com o seu programa, não importando qual programa seja”.

No final dos anos 80, Wozniak voltou atrás e decidiu dar ações da Apple para outros funcionários da empresa que estavam lá desde o começo, mesmo que não fossem engenheiros ou executivos. Fernandez foi um dos contemplados. As ações foram compartilhadas da própria cota de Wozniak. Um reconhecimento tardio, mas merecido.

O Futuro… Fora da Apple

Fernandez ainda trabalharia na Apple por nove anos seguidos depois do lançamento do primeiro Macintosh. Não mais decifrando diagramas ou implantando chips, mas na área de design de interface, onde se tornou um guru de seu nicho. Se hoje as janelas do seu computador tem botões para minimizar, maximizar e fechar, agradeça a ele. Foi sua ideia durante o desenvolvimento das pastas do MacOS 7.

Em 1993, Fernandez foi demitido da Apple na segunda leva de veteranos que foram desligados da empresa. Sem mágoas desta vez, ele alega que a demissão foi “libertadora”. Desde então, vem trabalhado como consultor de interfaces em diferentes empresas ou à frente de sua própria.

Bill Fernandez - Recente
Bill Fernandez

Atualmente, iniciou sua própria startup: está nascendo a Omnibiotics, que promete “transformar como nós interagimos com nossas casas. Este é o futuro para o qual eu estou olhando. E nós estamos procurando engenheiros, publicitários e investidores que queiram se juntar ao time”. Da mesma forma que a Apple popularizou a computação pessoal tornando-a acessível à pessoas comuns, Fernandez quer popularizar a automação doméstica, as casas inteligentes e sua interface com o usuário final.

Se depender do seu histórico, a nova empreitada pode marcar a História novamente. Nas palavras proféticas de Wozniak, “Bill é capaz de olhar para uma tecnologia da perspectiva do espectador e desenhar algo que usável”.