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O Príncipe e a Tecnologia

Em todos esses anos de Código Fonte, o músico Prince apareceu uma única vez, em uma notícia sobre memes. Uma falha grave que merece ser reparada nesse momento tão triste.

Porque ao longo de sua carreira, enquanto deixava seu nome na História da música com seu talento ímpar, Prince também teve uma trajetória de altos e baixos no mundo digital…

Lutador Mortal

Na época em que a World Wide Web ainda dava seus primeiros passos rumo à popularidade, Prince acabaria se envolvendo involuntariamente com Mortal Kombat, o polêmico jogo de luta sangrenta que cativou gerações de jogadores.

Em 1995, o jogo já tinha um lutador ninja azul, um lutador ninja amarelo, um lutador ninja verde… Para Ed Boon, um dos criadores de jogo, era apenas uma questão de alterar a paleta de cores do mesmo personagem, bolar uma história rápida e adicionar alguns golpes diferentes para criar um novo guerreiro com a limitação tecnológica da época. Então, por que não um lutador púrpura?

rain

A inspiração veio claramente de “Purple Rain”, clássico inesquecível de Prince, que o próprio Ed Boon admitiu ouvir durante o desenvolvimento de Ultimate Mortal Kombat 3. Nasceu ali Rain, o ninja púrpura de sangue nobre que se tornou um personagem jogável a partir da versão de console de UMK3 e voltaria a aparecer em outros títulos da franquia, com o olhar progressivamente mais parecido com o de um certo gênio musical…

A Flor de Lótus

Em 24 de Março de 2009, Prince lançou um novo site oficial diferente de tudo que já havia sido feito. Como é padrão, lotusflow3r.com foi criado para promover um novo projeto homônimo do músico, mas as similaridades com o que se poderia esperar de um site terminavam aí. Seguindo os tortuosos caminhos do gênio que já ousou ser chamado por um símbolo impronunciável, seu site oficial não era para meros mortais. Para acessar seu conteúdo em uma tela repleta de enigmas e imagens não-relacionadas, era necessário decifrar as pistas para descobrir a senha certa para inserir em um determinado ponto… e pagar 77 dólares de taxa de admissão. Nos acessos subsequentes, o assinante tinha direito a um atalho onde poderia entrar com seu login e senha.

lotusflow3r

O site abusava do Flash e era considerado pesado para os padrões da época… usabilidade é para os fracos. Mas, pelo menos, o preço dava direito a baixar os três álbuns inéditos de Prince que faziam parte do projeto, além de uma quantidade absurda de vídeos exclusivos e raros e artes conceituais.

Ainda assim, exatamente um ano depois, Prince removeu o site do ar para sempre. Sua explicação? “A Internet acabou completamente… Todos esses computadores e apetrechos tecnológicos não fazem nenhum bem. Eles apenas preenchem sua cabeça com números e isso não pode ser bom para você”.

Prince Versus Millenials

Era apenas o início de uma guerra entre Prince, a Internet, o mundo digital e qualquer coisa mais moderninha.

O ápice aconteceria em 2014 quando o astro em um único rompante tiraria do ar suas contas no Twitter, Facebook e Instagram, além de remover quase todos os seus vídeos oficiais do YouTube e suas músicas do serviço de streaming SoundCloud. Para todos os efeitos, a presença online de Prince foi reduzida a zero e desta vez sem nenhuma explicação sua ou de seus representantes. Na prática, toda a infraestrutura midiática havia sido montada para promover sua banda na época, a 3rdEyeGirl, e seu novo trabalho. Mesmo uma sessão de perguntas e respostas organizada através da conta oficial do Facebook pouco antes havia terminado com o astro respondendo uma única pergunta de um fã e apenas para recomendar que ouvissem seu mais recente álbum com alta qualidade de som.

Foi um período também em que Prince, talvez um pouco tardiamente, defendeu com unhas e dentes seus direitos autorais no universo virtual. Como o Metallica havia feito anos antes, o músico processou ou ameaçou processar o Ebay, os fãs e até o próprio YouTube pelo o que considerava distribuição ilegal de seu trabalho. No caso dos fãs, a denúncia entrava no nebuloso comércio de bootlegs, gravações não-autorizadas de shows ao vivo, muitos jamais lançados comercialmente. Muitos artistas toleram, poucos incentivam, mas Prince a princípio tentou impedir sua divulgação online, processando em um milhão de dólares cerca de 20 fãs. Pouco tempo depois, retirou o processo, para alívio dos indiciados.

Antes disso, em 2013, o músico já proibia o uso de smartphones em seus shows para tirar fotos ou filmar. Em alguns casos, seguranças à paisana circulavam no meio da plateia para avisar os infratores e, se fosse necessário, colocar para fora do espetáculo. Considerando a emergente onipresença dos dispositivos móveis, era uma luta em vão.

A Onda

Em 2015, Prince finalmente se conformou com o mundo digital. Permitiu que uma de suas músicas, “Stare”, aparecesse no Spotify e fez as pazes com a internet, “esclarecendo” sua afirmação de anos atrás: “o que eu quis dizer era que a internet acabou para qualquer um que queria ser pago, e eu estava certo sobre isso. Me mostre um músico que enriqueceu com vendas digitais. Mas a Apple está indo muito bem, certo?”

Seu descontentamento com o modelo de pagamento para artistas e músicas na era digital encontraria eco entre outras vozes e Prince acabaria fazendo parte do Tidal, o serviço de streaming de música criado por Jay-Z para empoderar e melhorar o faturamento de seus participantes. Seu penúltimo álbum, Hit n Run Phase One, teria lançamento exclusivo no serviço, não aparecendo em nenhuma outra forma digital.

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O tempo abrandou o coração de Prince e Hit n Run Phase Two, seu último disco, acabaria saindo pelo Tidal e também pela mesma Apple que ele criticara um ano antes, tanto no iTunes para compra como através de streaming na Apple Music.

Sobre a internet, Prince encerraria sua briga afirmando que a web é importante porque funcionaria como um instrumento de informação, uma ferramenta para o público poder monitorar o que os jornalistas falam e denunciar quando algo falso for publicado.

#Prince

Nessa quinta-feira, 21 de Abril de 2016, Prince partiu. Aprovando ou não a mídia digital, a força do seu talento e de sua obra foi poderosa o bastante para mobilizar essa mesma mídia digital e espalhar aos quatro ventos a notícia de sua morte.

Assim como compartilhar o luto. E divulgar seu legado, que nunca se esgotará.

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