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Sex and The Google 2: A Censura

Enquanto milhões de americanos e pessoas de todo mundo utilizam o Google para resolver suas dúvidas sobre sexualidade, o gigante das buscas pode não estar entregando exatamente o que se procura. Na verdade, há indícios de que o Google está lentamente erguendo uma muralha puritana em todos os seus serviços e não é de agora. Quando uma única empresa se torna a principal porta de entrada de informação, há uma grande chance de que sua visão de mundo funcione como um filtro que não corresponde necessariamente à realidade.

O sinal mais recente desta tendência foi a mudança de política na plataforma de conteúdo Blogger do Google. Até o ano passado, sua política de uso declarava que eram permitidos “imagens ou vídeos que contenham nudez ou atividade sexual”. Ironicamente, o próprio Google alardeava que “censurar este conteúdo é contrário ao serviço que se baseia por si na liberdade de expressão”. Em Março deste ano, adivinhem o que o Google fez? Deu uma guinada de 180 graus em sua política no Blogger para banir conteúdo considerado adulto.

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O Google literalmente ameaçou tirar do ar todos os blogs de acesso público com conteúdo sexual explícito e remover dos resultados de busca. O Blogger não é a plataforma de distribuição de conteúdo mais popular do mercado. Ainda assim, era uma posição preocupante por parte do Google.

Neste caso, três dias depois o próprio Google voltou atrás e reverteu a decisão. Mas foi a exceção.

Um legado de censura

Em Junho de 2011, com o lançamento do Google Plus, já estava clara na política de uso a proibição de conteúdo adulto. Mesmo entre adultos, para um público adulto que sabe o que está fazendo. Assim, como no Facebook, artistas, escritores, ativistas LGBT, performers ou mesmo gente comum querendo falar e trocar informação sobre sexo, não tinha vez na rede social do Google. A empresa ergueu mais um ascético jardim murado de valores retrógrados, em que a sexualidade ainda é vista como tabu.

Em Junho de 2013, foi a vez do Google Glass fechar as portas para conteúdo erótico, ainda que supostamente essa seja uma plataforma aberta. Aberta desde que os desenvolvedores não queiram explorar o potencial sensual de um dispositivo que lida com a realidade aumentada. Na realidade do Google, não existe sexo.

Neste mesmo mês, o Google alertou que todo site hospedado no Blogger com conteúdo adulto e propaganda para conteúdo adulto seria apagado do sistema. O nada amigável aviso foi realizado com apenas três dias de antecedência. A decisão não apenas eliminou a fonte de renda de milhares de usuários de toda espécie, como também eliminou por completo sites inteiros que não tiveram tempo hábil para se mobilizar.

Em Dezembro de 2013, o teclado padrão do Android foi atualizado para excluir 1400 palavras consideradas inapropriadas. O teclado desde então não sugere nem memoriza termos banais como “intercurso”, “camisinha”, “calcinhas” ou mesmo “DST”. Qual é o potencial perigo que uma palavra pode provocar na mente humana? Se você não sabe a resposta, o Google aparentemente sabe e teme que palavras “perigosas” apareçam diante de seus usuários.

Em Fevereiro de 2014, conteúdo adulto foi banido do Chromecast. No mês seguinte, foi a vez do Google Play banir e expulsar aplicativos de teor erótico. Tecnicamente é fácil para o Google saber qual usuário de seus serviços é maior de idade e pode ter acesso a este tipo de material. Tecnicamente é fácil implementar um sistema de opt-in para aqueles que desejam procurar este tipo de material. Ao invés de preservar a liberdade de expressão, o Google optou por patrulhar o conteúdo e determinar unilateralmente o que pode ser visto ou comprado nestes serviços.

Em Abril de 2014, o Google alterou sutilmente o que muitos consideravam o último bastião da imparcialidade da empresa: seu mecanismo de busca sofreu uma atualização de algoritmos com o único intuito de enterrar conteúdo adulto no ranking de resultados, gerando quedas maciças de tráfego e faturamento em muitos sites.

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Cortando no bolso

Respondendo por cerca de um terço de publicidade online, de acordo com estimativas do setor, além de quase 50% de toda publicidade em dispositivos móveis, o Google é uma força considerável sobre o bolso de anunciantes e publicadores de publicidade.

Então, no mesmo ano em que modificou seu algoritmo para uma versão mais puritana, o Google também implementou mudanças conservadores nas políticas do AdWords, depois de 12 anos de relacionamento franco e aberto com o chamado mercado “adulto”. Da noite para o dia, todo a publicidade adulta foi varrida para debaixo do tapete em Julho de 2014.

A partir desta alteração ficou terminantemente proibido qualquer tipo de promoção da maioria dos sites que trazem a sexualidade como tema, desde os mais pornográficos até aqueles com foco no aspecto da saúde humana. Um dos casos emblemáticos desta “caça às bruxas” promovida pelo Google foi o a fundação “Keep a Breast”, dedicada a promover a conscientização dos riscos do câncer de mama entre os jovens. Com a nova medida, seus anúncios no sistema AdWords foram banidos sem possibilidade de apelo.

Independente do aspecto, o Google enviou uma mensagem clara a todos aqueles com algum tipo de interesse na sexualidade: “não queremos seu dinheiro, não queremos sua propaganda”. A partir daquele instante, o Google tomava para si o papel de guardião não-eleito de uma “moral e bons costumes” herdados da Idade Média, passando por cima da lei e da suposta liberdade de expressão antes defendida pela organização.

Sexualidade na palma da mão? Negativo

A Internet não é o único mercado em que a influência censora do Google se faz sentir. Enquanto o setor dos aplicativos móveis cresce ano a ano, era de se supor que pelo menos uma fatia desse crescimento estivesse nas mãos dos temas adultos, certo? Errado.

O acesso a aplicativos é controlado por apenas duas empresas: Apple e Google. Para muitos usuários de dispositivos móveis, esses dois gigantes com suas próprias regras substituíram a Internet como portal de acesso com suas lojas controladas. De acordo com um estudo publicado em 2013, 80% do tempo gasto online em tablets e smartphones não é através do navegador, mas através de aplicativos. E o que esses aplicativos podem ou não abordar é determinado basicamente por Apple e Google.

A Apple tem uma política que bane por absoluto a presença de aplicativos adultos em sua loja digital. Depois de 2014, a Play Store do Google seguiu o mesmo caminho, erguendo barreiras morais universais, independente de quem acessa. O resultado é um monopólio da censura.

Conclusão

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Cedendo a pressões de grupos conservadores, o Google se nega a tratar seres humanos adultos como adultos e advoga para si o papel de guardião moralizador do principal portão de acesso à Internet. Resultados de busca, publicação de conteúdo, propaganda, aplicativos, todos cerceados por um filtro silencioso que a maioria das pessoas sequer sabe que existe.

Criado inicialmente como um mecanismo de busca imparcial, afinal algoritmos deveriam ser algoritmos, o Google foi saudado como um bastião do livre fluxo de informações. Quase 20 anos depois de sua fundação o cenário é bem diferente. O que poderia ser uma ferramenta neutra do zeitgeist termina por ser um retrato filtrado, doutrinado, assexualizado e, por que não dizer?, puritano da sociedade. Ao reproduzir no universo online o mesmo comportamento segregador do mundo real, o Google empurra a sexualidade humana para alternativas de honestidade questionável, como lojas de aplicativos que podem conter malwares, serviços de publicidade de baixa rentabilidade ou que também são focos de malware, e outros guetos da Internet.

O que se vê nas entrelinhas das políticas do Google é o reflexo de séculos de estigmatização de uma função humana. A censura se reforça, automatizada e invisível. A ignorância triunfa. A liberdade de informação perece.