Categorias

10 anos de Bing e por que ele ainda existe

O mecanismo de busca Bing comemorou seu décimo aniversário em 3 de junho desse ano. Se fosse não percebeu a passagem do tempo ou se nós demoramos dois meses para sequer mencionar o aniversário, esses são dois sintomas da aparente pouca importância da ferramenta no cenário atual das buscas, dominadas amplamente pelo rival Google.

Entretanto, por trás dos panos, nos bastidores da tecnologia da Microsoft, o Bing é um acervo muito mais relevante do que a gente imagina e um agente fundamental na evolução do ecossistema das buscas, da Inteligência Artificial e do marketing e é necessário esse artigo para entendermos os motivos.

Senta que lá vem história

A princípio, temos a impressão de que o Bing é uma reação ineficiente e desnecessária contra a predominância de um produto rival, um reflexo da mesma cultura da Microsoft que gerou soluções desenvolvidas internamente que ninguém pediu, como Windows Phone, Internet Explorer ou o infame Microsoft GIF Animator. Reza a lenda que a obsessão da empresa por um mecanismo de busca foi uma cruzada pessoal de seu antigo CEO, o performático Steve Ballmer, que investiu rios de dinheiro para tentar derrubar o Google, sem sucesso.

O Bing não foi a primeira iniciativa da Microsoft nessa direção. Mais de dez anos antes, a empresa já possuía a solução MSN Search, que empregava tecnologias da Inktomi, Looksmart e AltaVista para entregar resultados de busca para os usuários de seu portal MSN. Como todos os produtos dessa geração, o MSN Search mudaria de nome para Live Search, mas não de propósito ou de motores.

A Microsoft só começaria essa guerra perdida contra o Google a partir de 2005, quando a empresa passou a adotar seus próprios indexadores para navegar pela internet e montar um banco de dados para busca. Nesse primeiro momento de independência, ela ainda adotaria recursos de terceiros para indexar imagens e uma rede de publicidade também externa, mas um ano depois já teria tecnologia necessária para identificar imagens e ergueria o MSN adCenter para gerenciar soluções de publicidade.

Em 2007, a Microsoft deu mais um passo para uma direção que mudaria seu futuro: Satya Nadella, engenheiro de desenvolvimento com anos de experiência na casa, foi designado para liderar o time recém-formado de Busca e Plataformas de anúncios.

A primeira medida de Nadella foi desvencilhar o buscador da marca “Microsoft” e fundar o Bing. O novo e mais moderno buscador substituiria em definitivo o Live Search em 3 de junho de 2009. O novo nome simbolizava o som em nossas cabeças “quando pensamos sobre esse momento de descoberta e tomada de decisão – quando você resolve essas tarefas importantes”.

Nadella ao resgate!

É claro que, com ou sem tecnologia Microsoft, com ou sem “Microsoft” no nome, o buscador nunca chegou perto de ameaçar a preponderância do Google no mercado de pesquisas. Por mais que Ballmer desejasse o contrário, por mais que o Bing tenha sido o protagonista de uma pesada campanha de marketing (quem lembra de”Bing it on“?), isso nunca aconteceu.

Na verdade, no processo de sucessão de Ballmer, por muito pouco, o Bing não foi descontinuado. Stephen Elop, ex-CEO da Nokia na época e forte candidato a substituir Ballmer no comando da Microsoft, tinha a firme convicção de que aquela era uma iniciativa sem futuro e o Bing deveria ser vendido. Paul Allen, um dos fundadores da Microsoft, apoiava essa decisão. E, de fato, a Microsoft teria chegado a oferecer a ferramenta de busca para o Facebook, após uma bem-sucedida parceria, mas Mark Zuckerberg teria recusado a compra.

Porém, o jogo virou. Ninguém menos que Satya Nadella, que conhecia o potencial do Bing como a palma de sua mão, assumiu a liderança da Microsoft e a ferramenta de busca ganhou uma sobrevida inesperada. Não por sentimentalismo ou corporativismo com seu antigo time, mas porque Nadella realmente acreditava em novos caminhos tanto para a Microsoft quanto para o Bing. E a visão dele estava certa: um ano e meio depois de Nadella se tornar CEO, o Bing passou a dar lucro.

Assim como o Hotmail foi um balão de ensaio para muitas transformações que aconteceram nos bastidores da Microsoft, o Bing foi a ponta de lança para avanços significativos em Inteligência Artificial e aprendizado de máquina, que seriam depois distribuídos para produtos como Windows 10, Xbox, Azure, Office 365 e Cortana.

O Bing agora

Para aqueles poucos usuários que permaneceram fiéis ao Bing como sua ferramenta de busca, foi possível enxergar a evolução que acontecia em seus algoritmos, com resultados mais precisos, principalmente em reconhecimento de imagens. Testes cegos feitos com usuários do Google mostraram e continuam mostrando que atualmente é extremamente difícil discernir o nível de relevância entre as duas plataformas. Para todos os fins, depois de muitos anos, o Bing se tornou competitivo, ainda que o mercado ignore solenemente suas qualidades.

Se os usuários continuam ausentes no mecanismo de busca, ele se tornou um importante recurso para especialistas em busca e otimização. Ao contrário do Google e seu sistema hermético, a Microsoft disponibilizou a API do Bing de forma pública. Seu nível de transparência e respeito pela privacidade permitiu o surgimento, por exemplo, de soluções terceirizadas de impacto, como o DuckDuckGo. Além disso, suas ferramentas são empregadas para testes de SEO em larga escala que não seriam possíveis através do Google.

Segundo Russ Jones, cientista de busca da Mozilla:

Sem o Bing, não haveria uma API viável centrada na privacidade. De todas as coisas que o Google forneceu, eles nunca (nem jamais irão) fornecer um mecanismo de busca que respeite totalmente a privacidade de seus usuários. Mas a API de pesquisa da Web do Bing abriu as portas para participantes como a DuckDuckGo, que pode criar uma experiência privada e segura para os usuários usando um mecanismo de pesquisa de classe mundial, sem usar técnicas invasivas de privacidade para financiar os negócios. É difícil expressar a importância do Bing em relação a isso

Em outras palavras, Nadella enxergou diversos cenários onde seria possível para o Bing vencer o monolítico Google.

Outra frente em que o Bing e seu ecossistema tem se saído muito bem é na publicação de anúncios, arrancando elogios de agentes do setor de publicidade. O antigo MSN adCenter há muito atende por Microsoft Ads e tem uma clientela cativa. A partir da compra do LinkedIn, a Microsoft passou a ter acesso a um volume muito grande de informações pessoais que pode ser utilizado para montar perfis de consumidores e exibir propagandas direcionadas com precisão milimétrica, em uma estratégia muito similar à adotada por Google e Facebook. De certa forma, pode-se dizer que a Microsoft não dá ponto sem nó, mas todas essas estratégias da empresa estão, de alguma forma, conectadas com a plataforma Bing e suas tecnologias.

Em seu décimo aniversário, ironicamente, o Bing se tornou um mecanismo de busca capaz de concorrer com o Google, apesar de isso não acontecer. Mas ele é muito mais do que uma caixa de busca no centro da tela: ele é uma importante ferramenta nos bastidores, no centro da estratégia implementada por Satya Nadella para a Microsoft.