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A história da Niantic Labs

Pokémon Go tomou o mundo de assalto, subiu para o topo do ranking dos aplicativos mais baixados em todos os países onde foi lançado, colocou a Realidade Aumentada na crista da onda.

Pode parecer que o sucesso avassalador do jogo móvel surgiu da noite para o dia, mas quem conhece os bastidores sabe que não foi bem assim que aconteceu.

Não apenas a marca “Pokémon” já existe há décadas, cativando diferentes gerações de jogadores, como a grife Nintendo é ainda mais antiga e a gigante japonesa não entraria no mercado de jogos móveis sem ter um produto muito bom nas mãos.

E o terceiro pilar dessa ascensão é a desenvolvedora Niantic Labs, que tampouco surgiu do nada para conquistar o pódio. A Niantic Labs tem história, tem experiência e foi pioneira em muitas tecnologias que convergiram agora na forma de Pokémon Go. O jogo dos monstros virtuais que aparecem no mundo real não é a primeira investida da empresa e, certamente, tampouco será a última.

Essa história tem início em 1994, com Meridian 59.

Aurora dos MMOs

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No início dos anos 90,  os irmãos Andrew Kirmse e Chris Kirmse,  jovens estudantes de tecnologia americanos, passaram por um estágio na Microsoft e tiveram acesso às versões preliminares do Windows NT e do Windows 95. Eles concluíram que o futuro não estava mais em telas escuras com texto em branco. O futuro era gráfico.

Durante o verão de 1994, os irmãos Kirmse investiram todos as suas economias em poderosos equipamentos de desenvolvimento: um par de Pentiums 66 com 16MB de RAM cada e discos rígidos de 500 MB. O irmão mais velho tinha 21 anos. O mais novo, 19. Apesar de serem programadores, nenhum deles tinha conhecimento profundo sobre gráficos ou redes. E estavam tentando criar algo inédito: era Meridian 59.

Seguiram em frente.  Com a ajuda dos também irmãos Mike e Steve Sellers, eles conseguiram a verba necessária para fundar a Archetype Interactive. No ano de 1995, o time cresceu. Entre os novos entusiastas estavam Damion Schubert e Rich Vogel, ambos hoje na equipe de produção do multimilionário Star Wars: The Old Republic.

E um certo John Hanke.

Meridian 59 cresceu para se tornar o primeiro MMORPG, um ano antes do termo ser cunhado por Richard Garriott e o mais famoso Ultima Online. O jogo criado pelos irmãos Kirmse nunca atingiu o apogeu que jogos mais populares tiveram, mas plantou a semente da conectividade, de múltiplos jogadores se encontrando no mesmo espaço e sua influência se faria sentir pelas décadas seguintes.

Para Hanke, CEO e fundador da Niantic Labs, esse início foi crucial: “aquela experiência estava definitivamente na frente da minha mente a todo momento em que o conceito do Ingress estava sendo criado. Era muito simplesmente pegar aquela experiência de MMO e aquele elemento de cooperação e socialização de times e trazê-los para o mundo real”.

Pelo Buraco da Fechadura

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Mas a semente plantada por Meridian 59 ainda ficaria adormecida por um longo período. Depois de se afastar do desenvolvimento do jogo, Hanke fez história novamente ao fundar a Keyhole, em 2001.

Com financiamento da Nvidia e da Sony e usando um banco de dados de imagens aéreas e de satélite em 3D, a empresa criou um sistema que gerava mapas interativos em três dimensões que permitiam que o usuário desse zoom e visualizasse as informações ao nível da rua. Familiar? Não tenha dúvidas.

A tecnologia ganhou foco durante a invasão norte-americana do Iraque, quando telejornais utilizaram os serviços da Keyhole para exibir mapas tridimensionais do país, mostrando o avanço das tropas americanas e a posição dos combates. Na época, o serviço era exclusivo para assinantes corporativos e o valor anual para ter acesso ao banco de dados de mapeamento chegava a US$599 por usuário. Em 2003, foi lançada uma versão para consumidores comuns poderem planejar férias e viagens, ao custo mais suave de US$69,95.

Em 2004, tudo mudou: a Keyhole foi comprada pelo Google. Para Jonathan Rosenberg, vice-presidente do Google para gerenciamento de produto, “essa aquisição dará aos usuários do Google uma poderosa nova ferramenta de busca, permitindo aos usuários visualizar imagens em 3D de qualquer lugar da Terra assim como acessar um rico banco de dados de estradas, comércio e muitos outros pontos de interesse”.

A compra também marcava o início de um relacionamento entre John Hanke e o Google que se estenderia até os dias de hoje.

A Terra é o Limite

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Como você já deve ter deduzido, a tecnologia do Keyhole foi uma das bases para o desenvolvimento do Google Earth, que contou com a participação de John Hanke e, consequentemente evoluiu para o Google Maps que faz parte do cotidiano de milhões de usuários pelo mundo todo.

Lançado em 2005, um ano depois da aquisição da Keyhole, o Google Earth já estava em produção nos bastidores do Google e deve sua existência em grande parte ao livro de ficção-científica Snow Crash, uma das obras primas do gênero cyberpunk, que descrevia uma aplicação muito similar ao que acabou sendo produzido. Mas a influência das descobertas realizadas dentro da empresa de John Hanke são claras e aparecem inclusive no nome da linguagem desenvolvida para a plataforma, a Keyhole Markup Language e os arquivos .KML.

Pela primeira vez, a visão da literatura de oferecer um mapa em 3D de toda a superfície do planeta ao alcance de todos, sem custo algum, com performance e riqueza de detalhes estava se concretizando. Imagens antes disponíveis apenas para fins militares passaram a ser consideradas normais e a expansão continuou com o Street View, colocando todas as ruas das principais cidades do mundo ao alcance dos dedos em dispositivos portáteis, de graça.

A Terra é o Playground

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Em 2012, John Hanke tinha o conhecimento de comunidades de jogos, tinha o conhecimento de mapear a superfície terrestre, tinha um emprego dos sonhos no Google como o Presidente de Produto de toda a linha Earth. Mas, como todo profissional excessivamente criativo, estava inquieto e disposto a largar a empresa para uma nova oportunidade.

Foi convencido pelo próprio Larry Page, um dos fundadores do Google e seu CEO na época, a permanecer. Para evitar que Hanke partisse para a concorrência, deu a ideia: por que não montar sua própria empresa, mas ali mesmo, dentro do Google? Nascia naquele momento a Niantic Labs, uma startup apadrinhada. A proposta era criar algum tipo de aplicativo que ainda não existia capaz de combinar a localização do dispositivo móvel com um senso de comunidade.

O primeiro fruto dessa ideia chamava-se Field Trip e era um aplicativo para planejamento de viagens e descobertas. Puxando informações de diferentes fontes, ele poderia oferecer ao usuário dicas de lugares para conhecer, hotéis, restaurantes e outras atrações turísticas.

Mas o mundo real não era suficiente para a Niantic e surgia logo depois a grande sacada da empresa: Ingress. A ideia era unir o mundo inteiro em um único MMORPG que interagia com a realidade. Os participantes poderiam visitar pontos imaginários sobrepostos ao mapa real, disputar batalhas virtuais, controlar posições, se dividir em times, cooperar e triunfar. O jogo virou uma febre de nicho, uma vez que era algo jamais visto, um embrião da Realidade Aumentada da mesma forma que Meridian 59 lá atrás foi o ensaio do que veio depois. Muitas das mecânicas desenvolvidas para Ingress foram reaproveitadas para Pokémon Go.

Embora Ingress tenha marcado a História dos jogos eletrônicos, o sucesso de público para a Niantic só viria anos mais tarde, quando a empresa saiu da estrutura do Google (embora ainda mantenham laços) e recebeu investimentos pesados na ordem de 20 milhões de dólares de uma certa Nintendo para desenvolver sua próxima ideia…