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Coreia do Sul no mapa dos jogos

Com a vitória de Parasita no Oscar 2020, uma parcela considerável da população descobriu da noite para o dia a vasta produção cultural da Coreia do Sul. Quem não prestou atenção foi sacudido novamente com o sucesso avassalador da série Round 6 na Netflix. Sejam bem-vindos: é um país admirável que conseguiu alavancar seu próprio progresso em questão de poucas décadas investindo maciçamente em educação de uma forma jamais vista em nação alguma.

O resultado disso, obviamente, foi um crescimento tecnológico avassalador em curto espaço de tempo, que resultou em aquecimento da economia. Economia efervescente e muitas mudanças sociais em aliança com tradições milenares são um fermento cultural. E, consequentemente, cultura em alta e tecnologia de ponta são os pilares para uma indústria de jogos e uma paixão por jogos igualmente gigantes.

É fácil visualizar a Coreia do Sul como a pátria de StarCraft. Esse é o país que catapultou o jogo de estratégia da norte-americana Blizzard a um nível colossal de idolatria e o colocou na vanguarda do eSports. Muito antes do Ocidente pensar em organizar campeonatos, StarCraft mobilizava multidões e movimentava rios de dinheiro em terras sul-coreanas. Fenômeno similar se repetiria com outro jogo da Blizzard, Overwatch, que chegou a ser referenciado durante campanha eleitoral no país asiático.

Sim Sang-jung terminou em último lugar na corrida presidencial, mas valeu a tentativa.

O sucesso inusitado desses jogos multiplayer por lá foi reflexo de uma tendência cultural local: o uso dos jogos como ferramentas de socialização. O que nos leva a outro fenômeno da indústria sul-coreana de jogos: os MMORPGs.

Made in South Korea

Por conta da falsa similaridade das línguas e temáticas, é comum para nós Ocidentais atribuirmos aos japoneses e sua poderosa produção de jogos alguns títulos que, na verdade, nasceram e vicejaram em solo sul-coreano. Basicamente, se um MMORPG parece ser “japonês”, muito provavelmente ele veio foi da Coreia do Sul mesmo.

É possível rastrear a origem desse febre dos MMORPGs sul-coreanos até Nexus: The Kingdom of the Winds, lançado em sua versão final em abril de 1996 no país e ativo até hoje. Curiosamente, o ocidental Meridian 59, considerado “oficialmente” como o nascimento do gênero, só seria lançado em setembro de 1996. Apesar do seu pioneirismo, os historiadores se esqueceram de contabilizar Nexus.

Nexus: The Kingdom of the Winds

Nexus pode ter sido negligenciado na grande marcha da História, mas foi o primeiro passo para a fundação de uma mania no país e a criação da empresa hoje conhecida como Nexon. Essa é um dos maiores gigantes da indústria de jogos asiática, a terceira maior empresa do ramo fora do Japão, perdendo apenas para as chinesas Tencent e NetEase. A Nexon atualmente conta com escritórios em diversos países, uma sede operando em Tóquio e um faturamento anual que chega perto de um quarto de trilhão de dólares, uma cifra de dar inveja em grandes produtoras ocidentais.

Entre suas várias subsidiárias, a Nexus foi responsável pelo desenvolvimento ou distribuição de títulos de peso como TERATree of SaviorMapleStoryDragon NestArcheAge e Counter-Strike: Online.

TERA

A Nexon compete pela hegemonia com a NCSoft, uma produtora da Coreia do Sul com igual alcance tentacular. Fundada em 1997, atingiu o sucesso imediatamente com seu primeiro título, Lineage. Em 2001, buscou no mercado norte-americano o horizonte perfeito para se expandir. Por conta dessa maior penetração no Ocidente, a NCSoft se tornou responsável por produzir títulos bem conhecidos entre os MMORPGs, como os aclamados City of Heroes e Guild Wars 2, mas ela também desenvolveu AIONBlade & Soul e o finado WildStar.

Outras empresas também disputam o competitivo gênero dos jogos multiplayer na Coreia do Sul, como a Gravity (Ragnarok Online), Joymax (Silkroad Online), MAIET Entertainment (franquia GunZ) e Softnyx (GunBound), incluindo o mais recente queridinho dos jogadores, Black Desert Online, desenvolvido pela sul-coreana Pearl Abyss.

Black Desert

Tiro para todo lado

Digno de nota também é o sucesso duradouro de CrossFire, que chegou a se tornar o FPS de maior audiência do mundo todo, com milhões de jogadores simultâneos. Apesar de ter sido lançado em 2007 pela sul-coreana Smilegate, CrossFire não dá sinais de perder fôlego, com um longa-metragem em andamento para os cinemas e uma versão desenvolvida especificamente para tomar o Xbox One de assalto. A meta, é claro, é recuperar o trono perdido para o vietnamita Free Fire.

Além de tudo isso, a Coreia do Sul também fomentou o surgimento de outro gênero: os battle royale. Ainda que não tenha sido o primeiro, PUBG elevou as mecânicas desse tipo de jogo a patamares de sucesso jamais vistos. PlayerUnknown’s Battlegrounds é fruto da mente de Brendan Greene, ex-desenvolvedor envolvido em DayZ que, após um curto período trabalhando em H1Z1, se viu desempregado com uma ideia na cabeça. A sul-coreana Bluehole viu potencial em seu talento e investiu no projeto, fundando a subsidiária PUBG Corporation ao lado de Greene. O resto é história.

PUBG

Embora, títulos de tiro desenvolvidos na Coreia do Sul tenham ganhado notoriedade no Ocidente, o caminho inverso também foi percorrido: jogos ocidentais no gênero ganharam versões exclusivas para o mercado sul-coreano. Indo além da simples localização, essas versões mudam regras, cenários e modelos de negócio (geralmente gratuitos, com compras internas), mas ainda guardam suas marcas originais, sendo desenvolvidos em parceria com seus criadores do Ocidente. Nesse sentido é possível encontrar Battlefield Online, Rainbow Six: Take-Down – Missions in Korea e Counter-Strike Nexon: Zombies.

Domínio cultural

É impossível falar da Coreia do Sul sem mencionar também sua forte presença no mercado de jogos móveis. Não é pra menos: uma das maiores empresas de dispositivos móveis do mundo, a Samsung, é sediada no país.

No desenvolvimento de jogos para tais plataformas, se destaca a Netmarble, que domina o mercado com versões de títulos coreanos mas que também capitaliza em cima de sucessos do Ocidente. Pelas mãos da Netmarble, foram lançados jogos como Lineage 2: Revolution, Marvel: Future Fight (e praticamente tudo da Marvel no mercado móvel) e vários outros.

Por último, navegando na contramão de tudo que faz sucesso na Coreia do Sul, a Phantagram está na ativa desde 1994. Ela nasceu no mesmo ano da poderosa Nexon, mas investiu seu tempo e talento no desenvolvimento de RPGs e jogos de estratégia predominantemente single-player, como a franquia Kingdom Under Fire e Ninety-Nine Nights. Entretanto, em 2019, eles finalmente se renderam aos MMOs, com Kingdom Under Fire II.

Outro destaque nos RPGs é a ESA (Entertainment Studio Asia), também fundada  em 1994, possivelmente o ano mais pródigo da indústria local de jogos. A ESA foi responsável pelas franquias The War of Genesis e Magna Carta, mas largou o gênero em 2005, investindo seus esforços em duas linhas de frente: o MMORPG TalesWeaver, distribuído pela Nexon, e a produtora de mídia Kim Jong-hak Production.

Com uma produção cinematográfica igualmente rica, um forte mercado de quadrinhos (os Manhwa) e eu nem preciso comentar sobre o alcance do K-Pop, a Coreia do Sul é um motor cultural capaz de amplificar a diversidade global e injetar novas jogabilidades, novos olhares.