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Microsoft está mapeando o planeta inteiro para simulador de voo

Depois de um hiato de 14 anos, a franquia mais antiga da Microsoft está voltando: Flight Simulator está se preparando para decolar de uma maneira nunca vista antes. Além de gráficos compatíveis com essa e a próxima geração de jogos eletrônicos, o título terá a sua disposição nada menos que 5 petabytes de dados reais do planeta inteiro, para levar aos jogadores 2 milhões de cidades reais e 37 mil aeroportos (praticamente todos os aeroportos que existem).

Tudo isso será possível graças uma combinação de tecnologias de ponta da gigante de Seattle. A Microsoft garante entregar visuais fotorrealistas de praticamente todas as locações e resolução em HD para os demais espaços. Além disso, o jogo virá com física do mundo real e clima dinâmico, ajustado em tempo real com as condições climáticas de cada região no momento do voo.

Microsoft Flight Simulator foi revelado durante a E3 2019 com um trailer de cair o queixo:

O jogo será exclusivo do Windows 10 e do Xbox One e dever ser lançado ainda esse ano. Um beta está programado para o final de julho, mas não há ainda uma data para o título chegar nas prateleiras. Vamos descobrir agora como tudo isso está sendo construído, quais as ferramentas adotadas e explorar o passado da franquia.

Antes do Windows

A origem da série não poderia ser mais inesperada: um conjunto de artigos publicados em uma revista de aviação sobre gráficos gerados por computador, em 1976. O engenheiro de software e entusiasta da aviação Bruce Artwick era um piloto amador e ainda estava na faculdade quando publicou o material que iria mudar sua vida e a História dos jogos eletrônicos.

Desafiado a tornar os artigos uma realidade, ele completou seus estudos em Engenharia Elétrica e fundou a Sublogic Corporation em 1977, ao lado do colega de quarto e estudante de marketing Stu Moment, para o desenvolvimento do primeiro jogo  Flight Simulator.

Lançado originalmente para o Apple II, em 1979, o jogo trazia um cenário em preto e branco, simulava uma única aeronave, tinha um mapa extremamente limitado e era capaz de renderizar “150 linhas por segundo”. Ainda assim, causou uma revolução na emergente indústria dos jogos. Três anos depois, em 1982, ainda vendia como água e foi o terceiro jogo mais vendido do ano.

E foi em 1982 que a licença do Flight Simulator passou a ser compartilhada com a Microsoft. Três anos antes do surgimento do Windows, oito anos antes do surgimento do Office, a empresa ganhava o mercado com o Microsoft Flight Simulator. Curiosamente, essa versão para IBM PC era independente de sistema operacional por ser auto-contida, ou seja, o próprio jogo era um sistema operacional que rodava enquanto a partida acontecia, substituindo provisoriamente o sistema operacional instalado na máquina.

A Sublogic seguiria lançando títulos da franquia Flight Simulator em uma trilha separada até 1995, quando a marca passaria a ser propriedade exclusiva da Microsoft. Muito antes disso, em 1988, Artwick largaria a empresa que tinha fundado, para trabalhar como consultor da Microsoft no desenvolvimento dos novos títulos.

O fim de uma era

Por quase duas décadas, o desenvolvimento da franquia seria realizado por uma divisão interna da Microsoft, com foco no mercado de PCs. A série Microsoft Flight Simulator se tornou uma marca de respeito, com devotados admiradores no mundo todo, enquanto crescia de escopo e fidelidade visual. Uma geração de periféricos foi desenvolvida para amplificar a imersão e sua comunidade compartilhava experiências.

Apesar do sucesso, com o crescimento da indústria dos jogos eletrônicos e mudança de público, ficou claro que os simuladores de voo e seu principal representante pertenciam a um nicho cada vez mais restrito de jogadores.

A Microsoft só viria a batizar o seu time de desenvolvedores com a aproximação de seu próprio console. Diante da chegada do Xbox, foi fundado o Ace Games Studio em 2002, que assinou três títulos da série, inclusive o fatídico Microsoft Flight Simulator X, em 2006.

O décimo jogo da franquia era um grande salto tecnológico para sua época, com suporte a DirectX 10 e funcionando como uma vitrine para o potencial do Windows Vista. Ele trazia 24 aeronaves, 38 cidades detalhadas e 24 mil aeroportos.

Apesar do sucesso comercial satisfatório para o gênero, o Microsoft Flight Simulator X se tornaria o canto do cisne da Ace Games Studio. Três anos depois, a desenvolvedora encerraria suas atividades com a demissão em massa de todo o seu time. De acordo com fontes oficiais, eles foram vítimas de um remanejamento dentro da Microsoft, um grande corte que afetou 5000 profissionais ao longo de toda a estrutura. Em outras palavras, o nicho dos simuladores de voo e a franquia não eram mais prioridade para a empresa.

Seis anos depois do último título da série, seria lançado Microsoft Flight, em 2012, uma tentativa de lançar um derivado mais acessível, com uma jogabilidade afastada da simulação realista que vinha caracterizando a marca. O jogo era gratuito e seu modelo de negócios era baseado na venda de conteúdo adicional. Apenas cinco meses após seu lançamento, o serviço foi descontinuado: nenhum material novo seria mais produzido e as vendas de itens foram interrompidas.

Microsoft Flight Simulator ganhou um novo capítulo em 2014, quando a licença foi cedida para a produtora Dovetail Games, famosa no mercado de simuladores. Ironicamente, a Dovetail havia surgido das cinzas do mal-fadado Microsoft Train Simulator nos anos 90. Agora, ela dava a volta por cima e adquiria os direitos de distribuição do Microsoft Flight Simulator X. O jogo apareceu para venda no Steam e ganhou conteúdo adicional, produzido pela Dovetail e pela comunidade de fãs. A expectativa era de que a produtora poderia assumir o desenvolvimento de um décimo-primeiro título da série, mas os anos se passaram e isso não aconteceu.

O mundo na sua tela

A Microsoft surpreendeu a todos com o anúncio do novo Flight Simulator no ano passado. Para quem acreditava que a empresa tinha abandonado a marca a sua própria sorte na mão de terceiros, ela parece estar investindo pesado para que o jogo não apenas seja um espetacular retorno da franquia como também uma vitrine tecnológica da própria Microsoft.

Quem assina o desenvolvimento é o estúdio Asobo, fundado em 2002. Operando geralmente abaixo do radar das grandes desenvolvedoras, a Asobo tem em seu currículo o impressionante FUEL, lançado em 2009. O título de corrida se destacava no cenário por trazer um mundo aberto de proporções colossais, com cerca de 14.400 km quadrados de área jogável.

Agora, o mundo é o limite da Asobo, mas a Microsoft está oferecendo toda a expertise disponível para levar a superfície do planeta para a tela dos jogadores. As duas empresas já eram parceiras em projetos envolvendo o HoloLens, mas esse é com certeza sua colaboração mais ambiciosa.

A ideia partiu de Jorg Neumann, desenvolvedor da Microsoft que ajudou a Asobo a produzir uma recriação virtual de Machu Picchu para o dispositivo de Realidade Aumentada. Usando imagens capturadas pelo Bing, foi possível reproduzir a cidade histórica no Peru com extrema fidelidade. Para Neumann, a pergunta que surgiu era: seria possível aplicar a mesma tecnologia para recriar o planeta inteiro? O desafio foi proposto em 2016 e se tornou um guia para ressuscitar a franquia Flight Simulator.

Shannon Loftis, uma das gerentes da Microsoft e pilota de longa carreira, deu carta branca para Neumann perseguir esse sonho. Com seu aval, o desenvolvedor e a Asobo produziram uma demonstração que recriava a cidade de Seattle, sede da Microsoft. O protótipo virou um produto com o apoio de Loftis e o time cresceu para um total de 200 profissionais devotados a tornar aquilo tudo possível.

Nas palavras de Neumann:

Todo mundo foi super solidário. É assim que as coisas são. Acho que há um verdadeiro amor na Microsoft pelo Flight Sim, e talvez seja subconsciente, mas é quem somos. Está na fibra do ser da empresa. É mais antigo que o Windows. Eu acho que há um orgulho que vem com ele, e acho que vê-lo voltar de uma maneira significativa, acho que deixa muitas pessoas orgulhosas

Para se ter uma ideia do escopo da proposta, basta dizer que Flight Simulator X, de 2006, trazia  2 terabytes de dados geográficos, que foram comprimidos para caber nos dois DVDs que compunham a instalação do jogo. Desta vez, Microsoft Flight Simulator está utilizando 2 petabytes de dados de satélite do Bing e imagens aéreas para recriar o planeta.

São mil vezes mais dados do que foram usados lá atrás. Obviamente, seria impossível distribuir o jogo em dois mil DVDs. Entretanto, a Microsoft tinha a tecnologia pronta para entregar essa informação: sua plataforma de nuvem Azure. Os dados necessários para viabilizar a mais perfeita reprodução do planeta já produzida para um jogo eletrônico serão transmitidos por streaming pela internet.

Quem está preocupado com a obrigatoriedade de uma conexão permanente para jogar Microsoft Flight Simulator pode ficar tranquilo. Seus desenvolvedores garantem que será possível fazer o download prévio e navegar por um cache do cenário ou até mesmo desfrutar do jogo de ponta a ponta em modo offline.

O esforço em trazer um nível de detalhe jamais visto também pode ser exemplificado pela resolução conquistada. Nas áreas mais populares do jogo, como algumas das cidades mais famosas, será obtida uma resolução de 3 centímetros por pixel. Enquanto isso, no Flight Simulator X, a resolução padrão era de um metro por pixel.

No total, o novo jogo promete 1.5 trilhão de árvores, com folhas individuais modeladas, folhas de grama modeladas de forma independente em 3D, tráfego no solo, efeitos de iluminação e sombra e diversos outros elementos de cair o queixo.

Outro detalhe que irá adicionar uma dimensão extra à autenticidade da experiência é o sistema dinâmico de clima baseado em fatores reais. Se estiver acontecendo uma tempestade sobre uma cidade no mundo real, essa mudança meteorológica estará presente dentro do jogo de forma simultânea. O clima é modelado com até 600 quilômetros de distância do jogador, o que significa que variações climáticas podem ser identificadas de longe horizonte, ao invés de se manifestarem subitamente no meio da partida.

Simulação total

Quem também está colaborando no desenvolvimento do novo Microsoft Flight Simulator é a NAVBLUE, uma divisão da Airbus que irá fornecer dados de aviação em tempo real para a Microsoft. Dados de navegação autênticos a nível global, que estão sendo usados nesse momento em sistemas de tráfego aéreo reais, serão entregues no padrão internacional de navegação de aeronaves.

Isso significa que jogadores terão acesso simultâneo a “tabelas realistas e precisas de procedimentos de aeródromos e terminais usados por pilotos profissionais em todo o mundo”, de acordo com a Airbus. Isso permitirá que “jogadores e pilotos virtuais acessem informações genuínas sobre procedimentos de aviação nos aeroportos e no espaço aéreo”.

Microsoft Flight Simulator também irá simular tráfego aéreo real simultâneo. Isso significa na prática que o piloto virtual poderá se aproximar de uma cidade e ver em sua tela outras aeronaves pilotadas pela Inteligência Artificial do jogo a partir de voos que estão acontecendo naquela mesma cidade no mundo real. De acordo com os desenvolvedores, essa é uma funcionalidade que poderá ser ativada mesmo em caso de queda de conexão, com a máquina assumindo o padrão de voo que estaria sendo executado por aeronaves verdadeiras.

A estes voos baseados em voos reais, será possível dividir o espaço aéreo com outros jogadores de Microsoft Flight Simulator em um mesmo mundo compartilhado. O jogo contará inclusive com um filtro especial que permitirá excluir da sua experiência outros jogadores que não estejam pilotando de acordo com as normas convencionais. Ou seja, quem estiver buscando imersão máxima poderá deixar de fora aqueles jogadores que fazem manobras arriscadas por diversão.

De acordo com a Microsoft, o sistema de nuvens foi todo modificado. Cada nuvem é agora composta por 60 camadas volumétricas diferentes que reagem de forma independente ao vento e à aeronave. Além disso, elas projetam sombras na paisagem e umas sobre as outras.

A aerodinâmica das aeronaves também é a mais próxima da realidade já obtida na franquia. Enquanto jogos anteriores concentravam seus efeitos no centro de gravidade do veículo, a simulação agora será executada ao longo de até mil superfícies diferentes. Com chuva e vento afetando o voo, será muito mais difícil o controle do piloto quando a direção será determinante nos efeitos provocados.

Para conseguir rodar tudo isso, não será necessário um hardware de ponta. Boa parte do processamento de cenário ou da Inteligência Artificial será executada na nuvem. Não chega a ser uma jogabilidade por streaming, como o Google Stadia, mas algo intermediário. Confira os requisitos mínimos e os recomendados para Microsoft Flight Simulator:

Requisitos mínimos:

CPU: Ryzen 3 1200 / Intel i5-4460
GPU: Radeon RX 570 / NVIDIA GTX 770
VRAM: 2GB
RAM: 8GB
HD: 150GB
Bandwidth: 5 Mbps

Requisitos recomendados:

CPU: Ryzen 5 1500X / Intel i5-8400
GPU: Radeon RX 590 / Nvidia GTX 970
VRAM: 4GB
RAM: 16GB
HD: 150GB
Bandwidth: 20 Mbps