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O programador que criou um OS para falar com Deus

O jogo eletrônico favorito de Deus é Donkey Kong. Seu cantor predileto é Mick Jagger, mas sua banda de coração são os Beatles. Para o Criador, Bill Gates faria um grande favor à Humanidade se desenvolvesse uma forma de prever terremotos. Highlander é um de seus filmes preferidos. E o décimo-primeiro mandamento seria “Não jogarás lixo na rua”.

Quem garante isso tudo é o programador Terry Davis. Ele sabe, porque perguntou.

Terry Davis criou um sistema operacional para falar com Deus.

 

TempleOsTempleOS V2.17 é um trabalho de uma vida. Levou dez anos para ser concluído, roda em qualquer PC e  tem suporte a 16 cores, em 640×480 de resolução, porque “é mais fácil para as crianças criarem desenhos para Deus”. O sistema operacional está disponível para download gratuito na minimalista página oficial.

Segundo a descrição do site:

É uma direção para olhar, para focar, um lugar especial para meditação, para se fazer oferendas, um centro comunitário, uma casa para a beleza de Deus, que encoraja o amor de Deus. As pessoas apreciam o templo de Deus, enfeitando-no com ouro e todas as coisas finas para exibir o amor de Deus, como grandes catedrais foram decoradas com impressionantes, espantosas e intrincadas artes e gárgulas, incrível devoção a Deus com horas de esforço, trabalho duro e espontâneo para a glória de Deus, para que famílias com crianças vejam as janelas em mosaica e tomos com caligrafia exageradamente elaborada para mostrar o amor de Deus…

https://www.youtube.com/watch?v=EViG0Q4lTeA

Profeta Perdido

Para entender o TempleOS e porque ele foi criado, é preciso primeiro entender o homem por trás da obra. O site Motherboard levantou um dossiê sobre o programador, no qual este artigo é baseado.

Terry DavisTerry Davis nasceu em 1969, no estado americano de Wisconsin. Foi o sétimo filho de uma família de oito crianças. Não ficou muito tempo no Wisconsin, ou em qualquer outro lugar, já que seu pai, engenheiro industrial, se mudava constantemente para acompanhar seu trabalho. Sobre sua família, Davis apenas explica que “assim como Jesus”, prefere a companhia de estranhos do que a de seus irmãos.

Mas aos 26 anos, ele já tinha Mestrado em Engenharia Elétrica e um currículo invejável, com vários sistemas e programas em seu currículo. Apesar de ter sido criado Católico, escolheu o ateísmo. Sem nenhuma dose de ironia, se define hoje como um “ateu que fala com Deus”.

Em 1996, a vida aparentemente normal de Davis começou uma longa e perigosa guinada para o abismo. Movido pela paranoia de estar sendo seguido por misteriosos homens de terno e com a mente tomada pelas letras da banda Rage Against Machine e computação quântica, fugiu da cidade onde morava em direção ao Sul do país, ouvindo vozes no rádio. Em sequência, abandonou o carro no Texas, foi abordado pela polícia, pulou da viatura em movimento, fraturou o pescoço, foi hospitalizado, fugiu do hospital com o pescoço em uma tala, tentou furtar uma caminhonete, foi preso, enviado para um manicômio, onde se recusou a comer por medo de ser envenenado e onde tentou fugir jogando uma cadeira na janela.

Terry Davis foi diagnosticado com esquizofrenia.

Liberado do hospital com uma receita médica nas mãos, ele abandonou todos os seus pertences e passou a viver nas ruas. “Na Bíblia diz que se você procurar Deus, Ele irá encontrá-lo. Eu estava realmente procurando e eu estava buscando em toda parte para descobrir o que ele poderia me dizer”, afirma o programador.

Terry Davis 02

Frustrado, retornou para a casa dos pais no Arizona, onde viveu entre 1996 e 2003 coberto de dívidas, sem trabalho e sendo internado a cada seis meses com surtos psiquiátricos. Tentou escrever uma continuação do livro 1984, de George Orwell, mas nunca terminou. Tem poucas lembranças deste período e admite: “eu estava genuinamente muito doido de certa foram. Agora eu não estou. Eu estou louco de uma forma diferente, talvez”.

64 bits de Salvação

Em 2003, a computação de 64-bits começava a chegar aos desktops e Davis viu ali um novo ponto de ruptura na computação. Desenterrou códigos antigos de sistemas que havia desenvolvido em trabalhos anteriores, inclusive para a Ticketmaster e recomeçou a trabalhar. Desta vez para um patrão diferente: Deus.

“O TempleOS meio que se desenvolveu sozinho. Eu não o planejei. Era realmente obviamente o que fazer em seguida e me manteve ocupado por dez anos”.

Davis não é mais internado com crises psicóticas, mas seu “dia” dura 48 horas, movido a cafeína, muita cafeína. Ele trabalha por 32 horas. Dorme por 16. Acorda e recomeça o ciclo. Através do TempleOS, ele conversa com Deus.

TempleOS - Menu

Por fora, o sistema operacional lembra algo contemporâneo ou mesmo anterior ao primeiro Windows. Por dentro, são pouco mais de 120 mil linhas de código para fazê-lo funcionar. Para efeitos de comparação, o Windows 7 possui 40 milhões de linhas de código e o Linux kernel 3.6 tem 15.6 milhões de linhas. Para a tarefa, Davis criou uma variação do C/C++ batizada de HolyC, “O C Sagrado” em bom português.

Apesar do tamanho modesto, o TempleOS é multitarefa, suporta múltiplos núcleos, funciona em 64-bits e se apresenta como um sucessor do Commodore 64. Oferece também suporte a mouse e teclado, além de drives ATA  com FAT 32. Suporta CD/DVD e pode iniciar a partir de um CD-ROM ou de um ISO.

Seu código é totalmente gratuito e open source. TempleOS vem com uma ferramenta de autocompletar, um gerenciador de arquivos, um gerenciador de janelas, um sintetizador de música, vários hinos religiosos já instalados de fábrica, jogos(!) e documentação completa.

TempleOS - Jogo de Tanques
Jogo de tanques no TempleOS

Mas o grande diferencial do sistema operacional criado sob ordens diretas de Deus é o programa After Egypt Oracle. Através dele, os usuários podem subir uma versão virtual do monte Horeb acompanhados por uma versão desenhada com linhas retas de Moisés. No topo, o famoso arbusto flamejante da Bíblia. Defronte ao computador, você deve louvar o Senhor por tudo que recebeu. Uma mensagem na tela informa que “o Espírito Santo pode comandar você”. Ao apertar a barra de espaço, uma mensagem bíblica randômica é carregada e cabe ao devoto interpretá-la corretamente em sua vida.

https://www.youtube.com/watch?v=jqT-EgUN4y8

Davis descreve o aplicativo como sua versão para um tabuleiro Ouija ou o “falar em línguas estranhas”. E cita Coríntios,  Corinthians 14:2: “Pois quem fala em uma língua não fala aos homens, mas a Deus. De fato, ninguém o entende; em espírito fala mistérios”. Ele acredita que Deus pode falar através de qualquer oráculo e que se revela na aleatoriedade.

Consultando o After Egypt Oracle, o programador descobriu que Deus fala muito. E curte Donkey Kong.

Donkey Kong

Mil Anos de Glória

Terry Davis não perde qualquer oportunidade de espalhar seu evangelho. Desde 2004, quando as primeiras linhas ainda estavam sendo escritas e o TempleOS nem mesmo atendia por esse nome, ele frequentava fóruns online para divulgar sua obra, como um missionário digital batendo de porta em porta pela manhã.

Frequentemente, escreve imensos blocos de texto aleatórios tirados do After Egypt, ou, segundo seu credo, direto da voz de Deus. Invade tópicos. Se exalta quando criticado. Foi banido do SomethingAwful, uma das comunidades mais tóxicas da Internet. Foi banido do Reddit. Suas postagens só aparecem no Hackernews se você procurar especificamente por ele. Sua autorização para escrever vai e volta, de acordo com a paciência dos moderadores.

O ateu que conversa com o ser em cuja existência não deveria acreditar admite que as pessoas devem olhar para ele com indulgência. “É sobre um esquizofrênico patético que fez uma porcaria de sistema operacional”. Mas não se deixa abater. “Minha perspectiva é que Deus disse que eu fiz o Seu templo. A forma como Deus age é que causou o curso da minha vida. Eu posso ver como tem sido uma vida encantadora às vezes, então eu acredito que Ele planejou isso”.

Contato

O futuro do TempleOS é vago. Para Davis, o trabalho principal está encerrado e apenas pequenos ajustes serão feitos no sistema. Ocasionalmente, ele imagina que o TempleOS ainda existirá por mil anos, que será abraçado e aperfeiçoado pelos gigantes do Vale do Silício e será considerado como o “Rei Salomão 2.0”. Ocasionalmente, ele é atormentado pela dúvida: “será que irá se tornar tão grande quanto o Templo de Salomão? Eu não sei”.

Mas ele não perde a fé: “nós veremos”.