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Orgulho polonês: a história da desenvolvedora CD Projekt RED

A CD Projekt RED é uma empresa que já arrancou elogios do então presidente dos Estados Unidos Barack Obama e que é reconhecida pelo primeiro-ministro da Polônia como um patrimônio nacional. Com The Witcher 3 aclamado como um dos melhores RPGs eletrônicos de sua geração e Cyberpunk 2077 sendo um dos jogos mais aguardados para o futuro, o horizonte parece ainda mais promissor para a empresa fundada por Marcin Iwiński e Michal Kiciński,

Mas nem sempre foi assim.

A origem da empresa é um enredo que poderia ser a espinha dorsal de um de seus jogos, com um começo humilde, grandes desafios e vitórias ao final.

Piratas e Bucaneiros

No final dos anos 80, Marcin Iwiński era um rapaz como muitos de seu tempo: fascinado por jogos eletrônicos. Mas quando se vive em um país socialista que faz parte do Pacto de Varsóvia e já foi invadido uma vez pela truculenta União Soviética que supostamente deveria protegê-lo dos horrores do Ocidente, é difícil encontrar qualquer coisa para jogar que não seja Tetris. Comprar um computador? Quase impossível. Um console? Somente no mercado paralelo, a preços exorbitantes.

Mas o pai de Iwiński era um documentarista e viajava com frequência para fora das fronteiras da então provinciana Polônia. E trouxe para o garoto uma joia da decadência ianque: um Spectrum Sinclair de “última” geração.

Marcin Iwinski

Iwiński queria jogos em quantidades que as viagens de seu pai não poderiam suprir. Felizmente, ele não estava sozinho. Embora as lojas locais não vendessem jogos eletrônicos, o mercado negro proliferava. Literalmente não havia legislação no país que proibisse a distribuição de material eletrônico protegido por direitos autorais. Era o paraíso da pirataria, desde que você desse a sorte de ter conseguido o hardware primeiro.

De consumidor de jogos piratas, Iwiński passou a fornecedor. Através de um contato na Grécia, conseguiu um outro simpatizante do Sinclair que não via problema algum em copiar os lançamentos e mandar pelos correios para o colega polonês. De uma hora para outra, Iwiński tinha se tornado o “cara que tem os lançamentos”.

Quis o destino que Iwiński fosse reprovado em um teste para o Curso de Computação na escola. Sem alternativas, foi cursar Física Matemática, onde conheceu Michal Kiciński, que viria a ser seu parceiro na vida profissional. O que Kiciński fazia nas horas vagas? Vendia cartuchos piratas de Atari.

Michal Kiciński

Na mesma época, surgiu o CD-ROM. Era possível copiar dezenas de jogos em um mesmo disco, de forma rápida e barata. A dupla passou a importar títulos dos Estados Unidos e vender nas feiras livres de pirataria nas ruas da Varsóvia. E é por isso que sua empresa se chama “Projeto CD”. Uma lembrança da era do tapa-olho e do papagaio no ombro.

Mas na Polônia daquela época a atividade não era ilegal e em 1994, Iwiński e Kiciński formalizaram a empresa no cartório. Eles tinham apenas um computador velho, dois mil dólares no bolso e um escritório funcionando no apartamento desocupado de um amigo.

A maior concorrência da CD Projekt eram os outros piratas. Por três libras em qualquer banca, você podia comprar um jogo que custava 15 libras nas lojas ocidentais, 48 horas depois do lançamento oficial. Como a dupla poderia se destacar neste meio? Indo na contramão. E se a fosse possível convencer as pessoas a pagar um pouco mais e comprar uma cópia legítima dos jogos?

A Fúria de Baldur’s Gate

Com essa ideia na cabeça, os dois jovens empresários de vinte anos compraram os direitos de distribuição do primeiro Baldur’s Gate. Pagaram 30 mil libras à Interplay pelo direito de distribuir 3000 cópias oficiais do jogo. Gastaram uma soma igual na localização do jogo, incluindo a dublagem de vozes famosas na Polônia. A CD Projekt apostou todo o seu futuro nessa cartada.

Com 5 CDs de instalação, era um título que custava caro mesmo nas mãos dos piratas. Nas bancas, custava 15 libras. Nas mãos da CD Projekt, legalizado, saia pelo dobro. Mas vinha com conteúdo dublado na língua local, com todos os textos traduzidos, caixa bacana, mapa, manual traduzido e um CD com a trilha sonora. O costumeiro mimo que se tornaria a marca registrada da empresa.

As 3000 caixas se esgotaram em três meses, antes mesmo do lançamento oficial. Licenciaram mais 5000, 6000, 7000, 8000 cópias com a Interplay. O trabalho de localização já estava feito, era só prensar os discos e produzir o material anexo. Tiveram que comprar um galpão para armazenar tudo. A aposta tinha valido a pena: no dia do lançamento, distribuíram 18 mil cópias para lojas e, ironicamente, mercados negros que aderiram ao pacote.

O acordo espantoso e o esmero do trabalho produzido com a Interplay abrira as portas da CD Projekt para o mundo. A semente do GOG já estava plantada ali: esforço pesado de adaptação, valor agregado na forma de extras e bônus, preço baixo e nenhum DRM.

De Distribuidor a Criador

Com o sucesso de Baldur’s Gate, a própria Interplay fez questão que a CD Projekt fosse responsável pela venda de Baldur’s Gate: Dark Alliance na Polônia. Mas havia um problema: era um jogo de console e o mercado de PC era muito mais forte no país. Não iria vender. A Interplay mandou na lata: “então, porque vocês mesmos não fazem um port?”.

Iwiński e Kiciński sabiam que não estavam destinados a serem apenas “encaixotadores” de jogos. A vontade de desenvolver era grande desde os tempos das aulas de Física. A dupla aceitou o desafio proposto e contratou seu primeiro funcionário fixo: Sebastian Zieliński.

Zieliński era um programador e um dos responsáveis pelo primeiro Mortyr, um clone de Return to Wolfenstein que não foi muito bem aceito internacionalmente, mas se tornou um incrível sucesso na Polônia.

A segunda contratação foi Adam Badowski, responsável por storyboards de filmes. Badowski continua na empresa até hoje é o chefe do estúdio de produção de jogos. Um kit de desenvolvimento para o PlayStation 2 foi literalmente contrabandeado do escritório da Interplay em Londres para Varsóvia e o trabalho começou.

No meio do projeto, a Interplay cancelou o acordo. Talvez motivada por seus próprios problemas financeiros. Era tarde demais. A CD Projekt ia fazer um jogo, de um jeito ou de outro.

Era hora de fazer uma segunda aposta elevada. Se a CD Projekt iria criar um jogo, teria que ser épico.

Entra o Bruxeiro

Aqui no Ocidente, The Witcher é mais famoso devido ao RPG de computador. Mas, na Polônia, o livro veio primeiro. Seu autor, Andrzej Sapkowski, é um ícone nacional, carinhosamente apelidado de Tolkien polonês. Seu universo de fantasia é tão popular que já havia sido adaptado para cinema e TV com igual sucesso. Não há nome maior na literatura fantástica daquele lado da Europa.

E foi atrás de sua obra máxima, Wiedźmin, que a CD Projekt bateu na porta do autor.

Série Wiedźmin

O nome é intraduzível fora do idioma que lhe deu origem. E, ainda assim, a CD Projekt foi lá e inventou o termo “The Witcher”, criando uma franquia que impressionaria até mesmo Barack Obama.

O primeiro demo do jogo levou um ano de tentativas e erros para ser produzido. Segundo a própria equipe de programação, estava uma “porcaria”. Mas Iwiński e Kiciński não se deixaram abater e levaram o produto para algumas produtoras.

Não deu certo, obviamente. O programador principal, Zieliński , empacotou suas coisas e foi embora. O projeto parecia condenado ao fracasso.

Mas o próprio Michal Kiciński assumiu a liderança da equipe de desenvolvimento. A equipe de 15 pessoas virou 100. Não havia profissionais em quantidade suficiente no país com a qualificação necessária para criar um jogo. A CD Projekt literalmente pegou médicos, banqueiros e outros assalariados e os transformou em game developers. Todo mundo estava aprendendo fazendo junto. Foram cinco anos de trabalho duro: no último semestre, dia de trabalho tinha 12 horas. Não havia final de semana. Não havia feriado. Foram gastos perto de 20 milhões de dólares, todo o dinheiro que a empresa tinha guardado mais diversos empréstimos. Ou dava certo ou as portas seriam fechadas.

A sorte sempre sorri para os audazes e para quem faz um bom trabalho: Greg Zeschuk e Ray Muzyka, da Bioware, que tinham virado amigos da CD Projekt depois do sucesso de Baldur’s Gate na Polônia, deram uma força no uso da engine Aurora. A camaradagem era tanta que a Bioware cedeu espaço em seu estande na E3 para apresentar uma nova demo de The Witcher em 2004.

“Estande oficial” do primeiro The Witcher na E3 2004

Em 2007, The Witcher foi lançado. Tinha 45 horas de jogabilidade. Criadas por um time que nunca havia feito um jogo na vida. Vendeu dois milhões de cópias e se tornou um sucesso de crítica.

Mundo Aberto, Futuro Próspero

A saga de Geralt assim como a própria CD Projekt praticamente apenas começou nesse ponto. Novamente, Iwiński e Kiciński apostaram alto: The Witcher 3 foi concebido desde o início como um mundo aberto de proporções colossais (maior que os dois anteriores somados) e, pela primeira vez, desenvolvido para múltiplas plataformas.

Foram investidos mais de 80 milhões de dólares para tornar o jogo possível. A soma pode parecer pequena se comparada com o orçamento de outros títulos ambiciosos, como Grand Theft Auto V (cerca de 137 milhões de dólares), Destiny (mais de 140 milhões de dólares) ou Star Wars: The Old Republic (200 milhões de dólares), mas é preciso ter em mente que a CD Projekt Red não tem o tamanho ou os cofres da 2K Games, Activision ou EA Games, produtoras desses jogos. Apesar de seu sucesso, a desenvolvedora polonesa segue independente, financiando seus próprios projetos.

A equipe inicial de 150 funcionários aumentou para 250 profissionais trabalhando nos escritórios da CD Projekt Red, com o apoio de outros 500 desenvolvedores terceirizados espalhados por todos os cantos do mundo. Apenas para a gravação das vozes que aparecem no RPG foram necessários três anos de estúdio, com 500 dubladores cuidando das falas de 950 personagens diferentes.

Apesar do sucesso relativo dos jogos anteriores, The Witcher 3 ainda era um risco para a empresa. Um risco menor, mas ainda assim uma proposta ousada. Novamente, o sonho de Iwiński e Kiciński compensou: o terceiro e definitivo capítulo da saga eletrônica do “bruxeiro” atingiu um nível de aclamação até então inédito para a desenvolvedora.

Fila na porta do estande de The Witcher 3, na Gamescom 2014

De um início humilde, a CD Projekt Red havia entregue, em sua terceira tentativa, não apenas um bom jogo, mas um clássico instantâneo, considerado por muitos críticos um dos melhores RPGs já produzidos. Esse nível de qualidade refletiu nas vendas: The Witcher 3 vendeu 15 vezes mais cópias do que seu antecessor e 60 vezes mais do que o primeiro jogo da franquia.

Agora, a desenvolvedora polonesa cristaliza sua posição com mais um título não menos ambicioso: Cyberpunk 2077, a quase impossível transposição do universo de RPG de mesa Cyberpunk 2020 para o mundo dos jogos eletrônicos. Mantido quase em segredo por anos, as primeiras cenas do próximo projeto da CD Projekt Red sacudiram a audiência no final da apresentação da Microsoft na E3 desse ano:

Ainda sem data de lançamento confirmada, Cyberpunk 2077 tem todo um legado para honrar e a experiência de uma equipe que já produziu milagres. Para todos os efeitos, os rapazes da feira livre de CDs piratas estão agora no topo da cadeia alimentar.