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Por que o Uber veio para ficar?

Este artigo deveria ter sido escrito no mês passado, mas mudanças na programação das pautas foram empurrando o tema para a próxima semana, para a próxima semana, até chegarmos aqui na última sexta-feira do mês de Novembro. O que me força a escrever sobre a imagem chocante de Bráulio Escobar, o motorista do Uber sequestrado e espancado violentamente por dois taxistas em Porto Alegre.

A objetividade do escritor esmorece diante dos fatos: este é um artigo para ser escrito agora. Não que Bráulio Escobar tenha sido o primeiro motorista do Uber agredido no Brasil ou no mundo. Infelizmente não é e tampouco será o último.

uber

Mas a pauta urge antes que tenhamos um mártir, uma vítima fatal desta guerra entre o novo e o tradicional, entre a marcha implacável do progresso e as forças aquarteladas do retrocesso.

Em Nova York, taxistas entram com um processo contra a Prefeitura por não ter impedido a ascensão do serviço de caronas pagas na cidade. Taxistas cruzam os braços em protesto no Rio e em São Paulo e em praticamente todas as cidades onde o Uber colocou suas rodas. Paris viveu momentos de terror que não foram protagonizados por extremistas de um país distante mas por uma de suas classes trabalhadoras locais.

Do outro lado da contenda, o Uber oferece descontos, carros customizados, transporte de animais de estimação, balinhas e água gelada. A impressão que fica é que esta é uma luta entre a barbárie e a economia da gentileza, mas vai muito além disso.

Ascensão do Uber

Brasil, Estados Unidos, China, Holanda, França, Coreia do Sul, Índia, Alemanha, Austrália. Não há um país onde o Uber entre em que não enfrente alguma oposição, seja dos legisladores que não entendem como classificar o serviço que começa em um aplicativo de smartphone e termina como uma alternativa de transporte urbano, seja por parte dos outros profissionais do transporte de passageiros que já trabalham há décadas no setor.

E ainda assim, o Uber avança. Pagando multas, pagando fianças, pagando advogados onde a lei vai contra seus interesses. Pressionando políticos, conquistando a confiança do público, sugerindo opções para alterar a lei. Aparentemente, com um orçamento infinito, com veículos melhores, serviços melhores, motoristas melhores. Já chegou em 60 países. Parece impossível de deter.

O caso mais notório de onde o Uber não conseguiu se estabelecer é Las Vegas. A capital americana da exuberância e, por que não dizer, do exagero, não é atendida pelo aplicativo não porque as autoridades locais são mais resistentes do que aquelas em outras partes do mundo. Mas sim graças à Máfia. A organização de origem italiana que ganhou status de mito com o cinema controla muitos negócios em Las Vegas, mas o Uber não é um deles, e teria feito uma proposta de ficar fora da cidade que o Uber não pôde recusar. É o tipo de história difícil de comprovar, mas um olhar para a foto de Bráulio Escobar é a prova de que tais coisas acontecem e não apenas em Las Vegas.

Este tipo de atitude alimenta a máquina publicitária do Uber, que cresce não apenas movido pelos seus méritos, mas também por entender as necessidades da população e pela truculência de seus rivais. Uber é o franchise do transporte pago, regido por regras universais de conduta, higiene e atendimento de nível de primeiro mundo. É a fórmula de exportação de outras franquias: um serviço eficiente, impecável, com um toque de classe, com uma marca de confiança. Caiu como uma bomba no colo de sindicatos que pararam no século XX e não acompanharam a demanda de uma clientela mais exigente.

A Ascensão da China

O Uber é o tipo de serviço que se não existisse, acabaria sendo inventado. O nome, a marca, a empresa por trás não faz diferença. É fruto da mobilidade, da praticidade proporcionada pelos dispositivos móveis que prometem na ponta dos dedos dos usuários entretenimento instantâneo, comunicação instantânea, serviço instantâneo. Com a velocidade vem a informalidade: os sistemas e as necessidades dos consumidores são rápidas demais para serem acompanhadas de regulação ou leis.  O cliente não pode esperar.

Logo, dessa urgência toda brotam serviços automáticos. O Uber tem concorrentes. Lyft é um deles. Há outros, disputando um lugar ao Sol e tentando destronar o pioneiro. A História da tecnologia da informação ensina que nem sempre quem dá o pontapé inicial é quem vence a batalha, ou todos hoje estaríamos nos comunicando por IRC, vendo vídeos engraçados no RealPlayer ou baixando músicas (pagas ou não) pelo Napster.

Na China emergem os maiores rivais do Uber. Não o governo, nãos os taxistas, não um sindicato do crime. Mas outros serviços idênticos, com a sanção do Estado e o jeito chinês de atender a uma população específica. Baidu impera no país. Xiaomi idem. São marcas cuja grandeza nasceu nesse mercado fechado e agora se espalhma para todo o mundo, usando a expertise adquirida neste grande tubo de ensaio composto por centenas de milhões de usuários.

O país oriental já é o maior consumidor mundial de transportes pagos. Dali está vindo a Didi Kuaidi. Guarde esse nome. Você ainda ouvirá falar dela fora da Grande Muralha. A empresa é resultado da união entre dois gigantes, a Didi Dache e Kuaidi Dache. Juntas, agora controlam 99% dos táxis na China e 78% dos motoristas particulares por demanda. Seu aplicativo transporta 6 milhões de pessoas por dia, seis vezes o volume do Uber no território chinês. Para o CEO da Didi, Cheng Wei, “a competição do Uber é apenas uma pequena onda em nosso progresso”.

Didi conta com investimentos da Tencent e do Alibaba, outros dois colossos tecnológicos oriundos da China. O Didi já começa a oferecer seus serviços para os países vizinhos, como Vietnã e Malásia.

Porque táxis por aplicativos ou “carros pretos” ou “caronas pagas”, ou seja lá o nome que tenham, são uma necessidade. E não dá para frear a necessidade. Nem com leis, nem com socos ou pontapés.

Ascensão das Máquinas

Em vinte anos, dirigir será proibido. Quem disse isso não fui eu, mas um sujeito que está mergulhado em tecnologia desde os anos 70. Um sujeito que fundou a Apple e atende por Steve Wozniak.

O Uber sabe dessa revolução à caminho. Tudo que vimos até agora, as brigas, as lutas judiciais, os quebra-quebra nas ruas, as gentilezas, a água geladinha, tudo pelo o que o Uber passou até agora é apenas o primeiro passo e a empresa não esconde de ninguém: sua meta é ser a líder em um futuro que antes pertencia aos livros de ficção-científica. Um futuro onde humanos não irão mais dirigir e a propriedade de um veículo será algo tão arcaico quanto ter um rádio AM em casa. O Uber está apostando nos carros autônomos.

E não está sozinho. Google, Mercedes, Tesla, Volvo. Todos estão desenvolvendo suas soluções para os veículos inteligentes.

Modelo de auto-condução do Google

É um plano para vinte, trinta anos. O Uber e seus investidores sabem disso. Mas é uma virada tecnológica equivalente à invenção do automóvel. As cifras envolvidas são incalculáveis e ninguém quer ser passado para trás. Até lá, opera-se no vermelho se for preciso, busca-se o lucro se for possível. A Amazon sofreu prejuízos por anos até se consolidar na posição em que se encontra hoje. A mesma Amazon que pesquisa drones e veículos autônomos hoje também.

Neste 2015 atacam-se pessoas para se tentar assustar a mudança, atrasar o trem da inovação. Amanhã, não haverá mais pessoas nos volantes para serem atacadas. Os dinossauros olharão para o meteoro e pouco terão a fazer.