O inglês Clive Marles Sinclair nasceu de uma família de engenheiros. Seu avô foi engenheiro, assim como o seu pai. Com um talento natural pela Matemática e um forte interesse em eletrônica, ele se tornaria uma página importante da popularização da computação em diversas partes do mundo, construindo um legado que se perpetuará por anos a fio. Muitos dos grandes nomes de h0je da tecnologia da informação e da indústria de jogos começaram seus primeiros passos em máquinas que Sinclair idealizou e vendeu por uma bagatela na Grã-Bretanha. Em 16 de setembro de 2021, aos 81 anos, o eternamente sorridente Sir Clive Sinclair deixou esse plano terreno.
Acima de tudo, Sinclair foi um futurista, um homem que sempre esteve um passo à frente do seu tempo, para o bem ou para o mal. Sua visão excepcional garantiu a existência das calculadoras de bolso e pavimentou o caminho para que o computador pessoal pudesse se tornar um equipamento doméstico de baixo custo. São duas conquistas que por si só garantem o lugar de Sinclair entre os grandes expoentes da tecnologia do século XX, mas poderia ser mais. Antes de muita gente, ele apostou em relógios inteligentes, televisores portáteis e até mesmo carros elétricos. Essa ousadia acabou lhe custando as finanças, mas nunca os sonhos.
Radiônico
Clive Sinclair largou os estudos aos 17, sem ânimo para fazer uma faculdade, como muitos outros pioneiros da computação. Nessa idade, ele já estava vendendo cerca de mil kits eletrônicos pelos Correios por mês e fazendo encomendas de componentes na ordem de dez mil peças de cada vez. Ele tinha uma visão clara do caminho que queria seguir: fundar sua própria empresa.
Demorou três anos para finalmente dar o grande passo: a criação da Sinclair Radionics. Ele não planejava produzir rádios para o resto da vida, mas o nome “Sinclair Electronics” já tinha dono. Infelizmente, nesse primeiro momento, ninguém queria apostar em um jovem de vinte e poucos anos e seus inventos. Sem investimento para alavancar a empresa, ele precisava arranjar capital de outras formas. Para completar seu faturamento, escrevia artigos técnicos em revistas especializadas.
Nesse período, teve acesso a publicações e conhecimento de inúmeros fabricantes e outros profissionais, o que ampliou ainda mais sua visão do setor. Também foi nessa época que ele tornou-se obcecado com dois conceitos: miniaturização de componentes e popularização de produtos. Era essencial remover a computação e a eletrônico da mão de meia dúzia de entusiastas e levá-la para uma audiência maior.
Coube a Clive Sinclair projetar uma das primeiras calculadoras portáteis, que cabia no bolso do usuário, em contraste com as calculadoras eletrônicas que ocupavam uma bancada em lojas e escritórios. Era 1973, e foi o primeiro sucesso comercial da Sinclair Radionics, mais de uma década depois da fundação da empresa.
Logo em seguida, a Sinclair Radionics experimentaria também seu primeiro fracasso comercial, com dois produtos revolucionários demais para a tecnologia disponível: televisores em miniatura e um relógio digital. O chamado Black Watch possuía um visor de LED e era completamente eletrônico, sem nenhuma parte mecânica. Teoricamente, era à prova de falhas, por não conter componentes que pudessem se mover ou quebrar. Na prática, a bateria do Black Watch durava apenas dez dias, variações de temperatura ambiente poderiam acelerar ou retardar a contagem do tempo e eletricidade estática poderia desabilitar o dispositivo.
Sem fundos, Clive Sinclair viu sua própria empresa ser assimilada por investidores, dividida em pedaços e vendida. Em 1979, ele abandonou o que sobrou da Sinclair Radionics para buscar um recomeço.
Espectro e um clone brazuca
Naquele mesmo ano, Clive Sinclair juntou forças com um antigo funcionário, que havia criado a Science of Cambridge. Com a ajuda de um segundo ex-funcionário, eles partiram para a mais ousada empreitada até aquele momento: desenvolver um computador pessoal que fosse realmente popular. Com a redução de custos de componentes no final dos anos 70, Sinclair acreditava ser possível construir um computador e vendê-lo com lucro por menos de 100 libras. Parecia inviável em um cenário em que o principal concorrente, o Commodore, estava chegando nas prateleiras custando 700 libras.
Em fevereiro de 1980, a Science of Cambridge conseguiu o impossível: lançou o antológico ZX80 pré-montado por míseras 99 libras. O sucesso de vendas foi avassalador em um mercado que ainda estava engatinhando. Não seria exagero afirmar que o ZX80 levou o computador pessoal para residências que nunca imaginaram antes possuir um dispositivo do tipo. Logo em seguida, a Science of Cambridge foi renomeada para Sinclair Computers.
O ZX81, lançado no ano seguinte, mostrou que era possível comercializar um computador pessoal melhor e ainda mais barato: apenas 69 libras. A linha ZX se tornou líder de vendas no Reino Unido, nos Estados Unidos e começou a ser distribuída também em mercados orientais. Ao redor dela, se ergueu todo uma comunidade de grupos de usuários, revistas especializadas, empresas que vendiam acessórios terceirizados e, claro, jogos eletrônicos.
Essa efervescência cultural eclodiu de vez com o ZX Spectrum, o terceiro computador pessoal da empresa, mas o primeiro a ter suporte a cores. Apesar de ser ligeiramente mais caro que seus antecessores (custava 125 libras na versão mais simples ou 175 na versão com o dobro de memória), ainda era significativamente mais barato que todos os seus concorrentes. Não por acaso, o ZX Spectrum foi considerado o presente perfeito para jovens em sua época, que aprenderam a criar seus próprios programas e jogos ali, e a explorar o potencial das telas coloridas.
O ZX Spectrum foi distribuído comercialmente em diversos países e clonado em outros tantos, principalmente no fechado bloco comunista e na América Latina.
No Brasil, o aparelho não chegava por vias normais, por causa da chamada Reserva de Mercado, mas certamente esteve presente: o TK90X, da paulista Microdigital, nada mais era que um clone não-autorizado da criação de Sinclair, assim como os computadores TK anteriores. Sua ROM original passou por engenharia reversa para oferecer suporte a caracteres acentuados, que não estavam presentes na versão inglesa. Além disso, o modelo brasileiro trazia saída de vídeo compatível com televisores nacionais, assim como áudio.
Naquele ano, o sucesso finalmente veio para Clive Sinclair. Em 1983, ele acumulava uma fortuna estimada em cem milhões de libras e seria consagrado Cavaleiro pela Rainha da Inglaterra, por seus serviços prestados à sociedade.
A armadilha da eletricidade
A mente inquieta de Sir Clive Sinclair acabaria arrastando sua empresa uma segunda vez para o ocaso. Impulsionado pela visão de veículos elétricos tomando as ruas das cidades nos anos 80, ele investiu parte do faturamento de sua divisão de computadores assim como parte de suas ações, na missão de criar um carro movido a eletricidade. Ele já havia mostrado que o impossível não era um empecilho para suas pesquisas, mas, desta vez, aprendeu que não basta criar algo, é necessário haver uma demanda.
O Sinclair C5 foi lançado em 1985, com uma estimativa de venda de 100 mil unidades. No entanto, apenas 14 mil veículos foram fabricados, dos quais menos de cinco mil foram vendidos. O Sinclair C5 foi um desastre comercial. O veículo foi alvo de críticas pesadas, não sem razão: ele não trazia qualquer proteção contra o ambiente, era minúsculo, parecia um brinquedo e não tinha potência para subir ladeiras (obrigando o usuário a pedalar).
A tecnologia não estava madura ainda, o público não estava pronto. Novamente, Sinclair pagou um preço caro por estar décadas na dianteira. Nas palavras de sua filha, Belinda, “foram as ideias, o desafio, que ele achou emocionantes. Ele tinha uma ideia e dizia: ‘Não adianta perguntar se alguém quer, porque eles não conseguem imaginar’.”
O baque do fracasso do Sinclair C5 se somou com o fiasco anterior do Sinclair TV80, um televisor de tela plana que cabia na palma da mão. Apenas 14 mil unidades foram vendidas e o produto, que muitos enxergam como um precursor do hábito de se assistir vídeos em smartphones, não encontrou seu público.
Em 1985, novamente movido por dificuldades financeiras, Sir Clive Sinclair vendeu um pedaço significativo da própria empresa, enquanto se refugiava na divisão de pesquisas. Em 1990, a tal divisão de pesquisas era formada por ele e mais dois funcionários. Ele continuou em sua sina por buscar veículos elétricos viáveis, concentrando seus esforços desta vez em bicicletas experimentais. Em 2010, veio seu último grande anúncio: a bike Sinclair X-1. O modelo nunca saiu do laboratório, enquanto o pioneiro travava as primeiras batalhas contra um câncer.
A última década de Sir Clive Sinclair foi marcada por essa luta. Entretanto, ele trabalhou praticamente até sua última semana: “porque era o que ele amava fazer”, revelou Belinda Sinclair.