A World Wide Web completou 25 anos este mês, e muita gente está participando do gesto de apagar essas velinhas.
Exceto quem teve aquelas ideias que não deram lá muito certo…
Vamos aproveitar a oportunidade e relembrar algumas destas ideias que poderiam ter revolucionado tudo, mas naufragaram, e outras que chegaram a se tornar onipresentes, apenas para desaparecer nas brumas da memória.
1) Netscape Navigator
Se hoje em dia já é difícil de acreditar que houve uma época onde o Internet Explorer era o navegador líder de mercado, o que dizer da era anterior, onde a Microsoft ainda tentava entender essa tal de “web”. Nessa era pré-IE, caminhava um navegador titânico conhecido como Netscape Navigator, o predador dominante na selva primeva.
O Netscape Navigator foi baseado no navegador pré-Cambriano Mosaic e lançado em 1994. Teve a sorte de chegar ao consumidor no exato momento em que a Web comercial estava dando seus primeiros passos. Por ser um navegador gratuito com licença de distribuição bastante flexível, se tornou o programa padrão encartado em kits de acesso, revistas de informática e portais de provedores de serviço.
Ao contrário de navegadores anteriores, o Netscape carregava as páginas progressivamente. Antes dele, o usuário tinha que esperar todas as imagens serem carregadas antes mesmo de começarem a ler um texto, por exemplo. Com a chegada do novo programa, páginas de internet e, consequentemente, a Web, se tornaram úteis quase instantaneamente. Suporte a cookies, frames e Javascript o mantiveram na vanguarda por um bom tempo.
Com o crescimento da popularidade da Web, a Microsoft resolveu entrar de sola no mercado, gerando uma sangrenta Guerra de Navegadores. Em poucos anos, o Netscape Navigator se tornou uma pálida sombra do que era, até ter seu desenvolvimento encerrado em 2007. Não sem antes abrir seu código-fonte e facilitar o surgimento do seu vingador: Firefox.
2) RealPlayer
Não seria exagero dizer que o RealPlayer trouxe a música para a World Wide Web. Antes de sua chegada, era necessário fazer o download completo de uma música para o disco rígido e, só aí, escutá-la. Ou se contentar com MIDIs marotos embutidos em páginas HTML. A partir de 1995, era possível ouvir música com qualidade de rádio em tempo real, via streaming. Desde que seu dial-up não travasse, obviamente.
O programa era tão revolucionário que a própria Microsoft achou que seria uma boa ideia inclui-lo no pacote de instalação do Windows 98 e em diversas versões do Internet Explorer. Seu plugin para navegador se tornou onipresente muitos anos antes do YouTube.
Parecia que o céu era o limite para o pequeno notável, mas seus desenvolvedores acabaram tomando uma série de decisões controversas: introduziram funcionalidades desnecessárias no programa que antes era leve, inseriram anúncios e mensagens de patrocinadores, alteravam drasticamente o registro da máquina para se tornar o tocador padrão e outras estratégias empresariais que arranharam sua reputação. Enquanto isso, uma outra tecnologia chamada Flash corria por fora e trazia uma forma melhorada e mais leve de fazer streaming.
O RealPlayer ainda existe nos dias de hoje, mas seu papel, em uma Web dominada por um lado pelo YouTube e por outro lado por uma vasta oferta de serviços de música, é incerto.
3) Active Desktop
Eu não disse que quando a Microsoft descobriu a internet, ela resolveu entrar de sola? Active Desktop foi uma tecnologia que comprova que a empresa criadora do Windows foi com muita sede ao pote…
A teoria era oferecer diretamente na Área de Trabalho do usuário informações atualizadas em tempo real saídas de uma página web sem precisar abrir navegador nenhum, trocar o tradicional papel de parede de imagem por um arquivo HTML. Lançado oficialmente em 1997, junto com o Internet Explorer 4, fez parte das instalações dos sistemas operacionais até o Windows Vista.
Na prática, consumia recursos em excesso, a maioria absoluta das páginas web não tinha tanta atualização assim para justificar a tecnologia, a segurança da máquina era comprometida e o Active Desktop produzia instabilidade. Para a Microsoft, foi a desculpa perfeita para provar nos tribunais americanos que a integração do Internet Explorer com o sistema operacional não era apenas uma tática de monopólio, mas um recurso vital para o Windows, ainda que sua adoção tenha sido pífia.
Com o Windows Vista, o Active Desktop foi descontinuado, embora a Microsoft tenha tentado levar a ideia adiante sucessivamente com a Windows Sidebar (Vista), os Desktop Gadgets (Windows 7) e as tiles dinâmicas (Windows 8).
4) WebTV
Com a explosão de popularidade da World Wide Web, alguém teve a sacação de uni-la com outro componente fundamental de toda casa: o aparelho de televisão. Não, não estamos falando das smart TVs. Estamos falando de 1996 e da WebTV.
WebTV era um aparelho que você ligava na televisão, pagava uma taxa mensal ao fabricante e conseguia navegar pela internet usando qualquer televisor. No princípio, estava dando tão certo que a Microsoft se interessou e comprou a empresa que fabricava o dispositivo.
Mas popularidade é uma faca de dois gumes e, com o crescimento da web e dos computadores que a acessavam, os usuários começaram a se dar conta que era mais prático, barato e ergonômico acessá-la do computador mesmo, sem precisar pagar uma taxa adicional à WebTV.
Mesmo após ser adquirida pela Microsoft, a WebTV conseguiu portar seus serviços de transmissão para o Dreamcast, da SEGA, colocando o console na posição de ser o primeiro a oferecer conectividade com a internet e um navegador interno, bem à frente do seu tempo. A expertise posteriormente foi utilizada pela Microsoft para criar seu serviço Xbox Live.
5) A Tag Blink
Digite “blink html” na busca do Google para ver o que acontece. Era assim a Web em uma época onde a infame tag <BLINK> era considerada sen-sa-cio-nal por criadores de página em todo mundo.
Uma inocente tag HTML que faz o texto marcado por ela piscar incessantemente na tela… de quem foi essa ideia irritante? De Lou Montulli, engenheiro da Netscape e um dos criadores do navegador ancião Lynx. Como Lynx rodava em terminais UNIX, não havia muito o que ele poderia renderizar em termos de texto, exceto, talvez, fazê-lo piscar. Montulli comentou o fato em uma mesa de bar com outros engenheiros e programadores, que riram da ideia e o grupo passou a noite bebendo e comentando como seria se a tag existisse.
Pois um daqueles beberrões foi lá, pegou a ideia de Montulli e soltou <BLINK> no coração dos desavisados. Era uma piada, uma referência àquela noitada, que acabou entrando no código-fonte do Netscape. Não foi documentada, mas, de alguma forma, acabou sendo divulgada e, pior, adotada em grande escala. “Repentinamente, tudo estava piscando. ‘Veja isso’, ‘compre aquilo’, ‘confira agora’, tudo piscando. Parecia Las Vegas, só que estava na minha tela, sem nenhuma forma de desligar”.
Montulli não revela o nome do fanfarrão que trouxe o <BLINK> para o mundo. Mas diz que o bar onde tudo começou, queimou até o chão em 1997.
6) Boo.com
Não tem como falar em grandes naufrágios da World Wide Web sem mencionar A Bolha, assim mesmo, como maiúsculas. Foi um evento que pode ser resumido em uma única frase: empresas demais entrando na onda da Internet sem saber direito como fazer dinheiro mas recebendo polpudos investimentos por todos os lados.
Um dos mais emblemáticos casos foi a da Boo.com, uma loja de roupas online que prometia, como sempre, revolucionar a forma como se compra roupas. Queimou 188 milhões de dólares em seis meses, antes do lançamento, e estava faturando meio milhão ao mês antes de fechar. Talvez, se permanecesse no ar por mais 30 anos, tivesse dado lucro.
Criada sem nenhuma análise de mercado, com escritórios e centros de distribuição espalhados pela Europa e 400 funcionários, toda a operação estava apoiada em um site com sérios problemas de usabilidade.
Em um momento onde banda larga não era tão comum e boa parte dos usuários ainda estava atada a uma conexão discada, o site fazia uso intenso de Flash e Javascript para criar um ambiente 3D onde as roupas eram apresentadas enquanto um avatar (Miss Boo) servia de cicerone em tempo integral. A página inicial era exageradamente pesada e, consequentemente, demorava uma eternidade para carregar. A navegação se alterava enquanto o comprador se movia pelo site e sua hierarquia profunda exigia muitos cliques e responder algumas perguntas antes de se chegar ao produto desejado. Resultado? Uma taxa de devolução muito maior do que a do mercado, gratuitas para o cliente, mas onerosas para a logística.
Menos de dois anos depois, Boo.com foi fechado, com dívidas, incluindo salários atrasados.
7) Passport
No final dos anos 90, a Microsoft teve uma ideia verdadeiramente genial: por que os usuários precisam ter um cadastro, login e senha diferentes em cada site que visitam? Por que não autenticar o usuário uma única vez e navegar feliz por lojas eletrônicas, portais e outros lugares que exigem identificação? A ideia era ótima e foi colocada para funcionar através do Microsoft Passport.
Pouquíssimos compraram a ideia.
A principal acusação era que o sistema de autenticação única era uma grave violação da privacidade do usuário e que a Microsoft passaria a saber quais sites cada cidadão estaria visitando, como e quando. A própria Microsoft não se esforçou muito para apagar essa impressão e só alterou seus termos de uso, jurando de pés juntos que não iria bisbilhotar ninguém, depois que a EFF (Electronic Frontier Foundation) reclamou incessantemente, em 2001.
Do lado técnico, como muitas ideias pioneiras, pululavam bugs. O sistema teimava em não guardar preferências e solicitar a autenticação novamente quando menos se esperava. E havia também as eventuais falhas de segurança.
No final das contas, pouquíssimas empresas aderiram ao Passport fora do círculo de sites da própria Microsoft, apenas para parar de usar anos depois. O serviço mudou de nome para .NET Passport, Windows Live Id e hoje se chama de Microsoft Account.
E, quem diria, agora é mais do que comum usar sua conta no Facebook ou Twitter ou OpenID para se autenticar em milhares de sites…
8) GeoCities
Se todo mundo e seu vizinho hoje tem um perfil no Facebook onde publica fotos, textos e pensamentos, não necessariamente próprios, nos anos 90 todo mundo tinha uma página no GeoCities onde publicava fotos, textos e pensamentos, não necessariamente próprios.
Criado em 1994, o GeoCities oferecia hospedagem gratuita para quem quisesse montar sua página web. Mesmo quem não entendia patavina de HTML poderia ter sua presença garantida, usando modelos e ferramentas própria do sistema. Foi um sucesso avassalador.
Em 1998, o GeoCities fez seu IPO na bolsa de valores, com o preço inicial de 17 dólares por lote de ação, mas atingiu o pico de 100 dólares. No ano seguinte, GeoCities era o terceiro endereço mais visitado de toda a World Wide Web. Nesse ponto, o Yahoo! deu seu lance e arrematou o serviço completo por US$3,57 bilhões.
Entretanto os novos termos de uso do Yahoo! afirmavam que todo o conteúdo dos sites hospedados no GeoCities passavam a pertencer ao Yahoo!, incluindo aí fotos de família, canções compostas por futuros músicos e textos autorais. Os usuários saíram em massa em direção a novos lugares. O Yahoo! posteriormente alterou os termos, mas a imagem do GeoCities saiu arranhada da transação para nunca mais se recuperar.
Enquanto isso, ficou claro para o Yahoo! que seria complicado recuperar a montanha de dinheiro investida no projeto. Foi introduzida uma versão Premium (leia-se “paga”) do serviço e foram impostas restrições grandes ao que estaria disponível no modelo tradicional (leia-se “não-pago”). Some essa nova política com a ascensão das primeiras redes sociais e é fácil entender que a moda do GeoCities estava definhando.
Em 2009, dez anos depois da aquisição, o Yahoo! anunciou o encerramento do GeoCities. O serviço hospedava cerca de 38 milhões de páginas de usuários. Curiosamente, a versão japonesa do GeoCities continua ativa até os dias de hoje e aceitando novas inscrições.
9) Google Wave
Quase quatro anos depois do seu fim, ainda é difícil explicar o que era o Google Wave. Segundo a própria empresa, “é um espaço compartilhado, vivo, na web onde pessoas podem discutir a trabalhar juntas usando texto formatado rico, fotos, vídeos, mapas e mais“. Segundo um de seus desenvolvedores, “é o que o email seria se fosse inventado hoje“. Para a maioria de nós? O maior fracasso do Google.
O Google Wave durou 15 meses, sem dizer exatamente a que veio. Ele conseguia misturar email, mensagens instantâneas, trabalho colaborativo, edição de imagens, compartilhamento multimídia e a pia da cozinha em um único balaio de gatos.
Explicando até parece funcional. Não era. Sua curva de aprendizado era bem mais inclinada do que a de um simples email que todos estavam acostumados. Mas tão inclinada que Gina Trapani, fundadora do LifeHacker, criou um guia de 195(!) páginas para entender e usar o serviço.
Para piorar a situação, já existiam ferramentas dedicadas que faziam exatamente o que o Google Wave pretendia: quer conversar com alguém, basta abrir um IM; quer enviar um email, use o Gmail; quer compartilhar fotos, use Flicker, Picasa (também do Google) e assim vai. E, por incrível que pareça, o Google Wave não se integrava com outros produtos do próprio Google!
Em 2010, o Google puxou o plugue e deixou o Wave sumir como se nunca tivesse existido. As lições aprendidas foram aplicadas com melhores resultados no Google+ (ou não, depende de para quem você perguntar).
10) Mecanismos de Busca
Não existe nada mais simples do que encontrar algo na Web hoje, não? “Taca no Google“, como dizem por aí e o que você quer aparece instantaneamente. O Google é uma maravilha tecnológica que já está tão entranhada em nosso cotidiano que ninguém mais para para pensar no assunto.
A menos que você seja o infeliz dono de um antigo site de busca.
AllTheWeb, Lycos, Altavista, AskJeeves, Northern Lights, Excite, InfoSeek, Go, Magellan, Teoma e até o próprio Yahoo, da forma como começou, conheceram seu fim diante do rolo compressor de eficiência em que o Google se tornou. E cito apenas os mais famosos.
A maior exceção à regra continua sendo o Bing, patrocinado pela Microsoft e desafiando todo o bom-senso dos analistas. Atualmente, o Bing controla cerca de 28% do mercado de buscas (incluindo aí os 10% do Yahoo, que usa o serviço da Microsoft), contra 67% nas mãos do Google e os 5% restantes distribuídos pelos miúdos que ainda resistem. Há quem diga que o mecanismo de busca foi criado a pedido de Steve Ballmer em uma cruzada pessoal contra o Google. Com a saída do CEO do cargo, o futuro do principal opositor do líder de mercado é duvidoso.