É pra frente que se anda! Se a tecnologia não avançasse a passos largos, você estaria lendo esse artigo em um pedaço de papel enquanto espera o bonde passar na sua rua. Ou talvez estivesse ouvindo no conforto de sua poltrona em um rádio valvulado. Enquanto a Singularidade não chega, é fácil olhar para trás e rir dos aparelhos, sistemas e serviços que foram deixados para trás.
Porém, poucas empresas deixaram tanta coisa para trás quanto a Microsoft. Em alguns casos, a empresa estava à frente do seu tempo e lançou produtos que não tinham demanda, abandonou os projetos apenas para vê-los aperfeiçoados por outra gigante anos depois. Em outros casos, foi a própria Microsoft que evoluiu a tecnologia, tornando seu próprio passado obsoleto. Porém, em outros casos mais vergonhosos, a Microsoft só estava louca das ideias mesmo…
Separamos aqui 20 tecnologias que a Microsoft largou de mão. É um passeio nostálgico que pode render sorrisos de saudade, manifestações de respeito, mas também gostosas gargalhadas:
1) Microsoft Cobol (1982-1993)
Nos anos 80, a Microsoft lançou “dialetos” de diferentes linguagens de programação ancestrais, incluindo Fortran, Pascal e Basic. O Microsoft Cobol surgiu em 1982, entretanto nunca atingiu uma boa recepção entre os desenvolvedores. A partir da versão 3.0, em 1988, o compilador passou a ser licenciado da Micro Focus, enquanto as ferramentas de debug e o editor seguiam sendo produzidos internamente pela Microsoft. Ainda assim, o produto jamais atingiu a aceitação desejada principalmente por ser necessária uma tradução entre o Cobol puro e o Microsoft Cobol e vice-versa, para se conseguir compatibilidade.
2) Microsoft Chart (1984-1988)
Para a criação de gráficos nos anos 80, o Microsoft Chart era uma opção disponível para MS-DOS e Mac. É curioso olhar para trás e perceber que a ferramenta tinha um limite de 177 cores, 4 fontes diferentes e 16 tabelas por página, exigindo modestos 320K de RAM em sua última versão, de 1988. Apesar de parecer arcaico, o produto era topo de linha em sua época, fazendo parte do pacote essencial de recursos para escritório oferecido pela Microsoft. O programa era elogiado pelos profissionais que o utilizaram, por apresentar facilidade de uso em relação a seus concorrentes.
3) Microsoft DoubleSpace (1993 – 1999)
Muito antes dos SSD, o maior problema dos discos rígidos não era sua velocidade (ninguém imaginava que poderia haver uma solução muito mais veloz), mas sua capacidade de armazenamento, sempre insuficiente. A Stac Electronics desenvolveu Stacker, uma ferramenta de compressão e descompressão de disco que minimizava esse problema. A Microsoft tentou negociar o licenciamento, sem sucesso. A partir do concorrente DoubleDisk, a empresa criou o DoubleSpace, uma solução que se integrou ao próprio sistema operacional. Entretanto, a Stac Electronics entrou na Justiça por violação de patente e venceu.
4) Microsoft Visual SourceSafe (1994-2005)
Antes do Git mudar o paradigma, era assim que os desenvolvedores faziam controle de versão de seus projetos. O Microsoft Visual SourceSafe criava uma biblioteca virtual de arquivos de computador, um repositório local com todas as versões possíveis do código. Mais uma vez, o produto não surgiu internamente, mas de uma adaptação do One Tree SourceSafe, da One Tree Software. A Microsoft comprou a empresa, suspendeu a produção de versões para outras plataformas que não fossem o Windows e descontinuou o obscuro Microsoft Delta, seu próprio produto de controle de código.
5) Microsoft Bob (1995-1996)
A vergonhosa tentativa de se mudar o paradigma da interface do usuário durou apenas um ano, não atingiu o grande público devido ao seu preço elevado, mas jamais será esquecida. O objetivo do Microsoft Bob era oferecer uma forma de utilizar o computador que fosse mais amigável para quem não tinha qualquer experiência prévia com sistemas operacionais, apresentando uma metáfora extrema da Área de Trabalho, em forma de sala de estar. Do projeto, surgiram e permaneceram o infame Clippy, o assistente do pacote Office que todos odiavam, e a fonte Comic Sans, ridicularizada por designers.
6) Microsoft Frontpage (1995-2007)
A Microsoft demorou para surfar na onda da emergente internet e, quando entrou, foi com produtos apressados. Novamente, aconteceu um licenciamento, desta vez do Vermeer FrontPage, e surgiu o Microsoft FrontPage. O programa foi integrado ao Pacote Office e prometia produzir páginas para a web. Infelizmente, o produto gerava um código HTML assustadoramente ruim, em troca da simplicidade de uso do recurso WYSIWYG. Profissionais da área fugiam do FrontPage sempre que possível, embora ele estivesse integrado com funções exclusivas dos servidores IIS, chamadas de “extensões”.
7) Microsoft Internet Explorer (1995-2015)
O outro produto apressado lançado para aproveitar a ascensão meteórica da internet se chamava justamente Internet Explorer. Para o bem ou para o mal, ele chegou a ser o navegador dominante durante anos. A estratégia da Microsoft de integrar o produto ao sistema operacional foi fundamental na sua popularização, mas também gerou pesados atritos jurídicos que quase partiram a empresa em duas. A lentidão para se adicionar recursos importantes, sua perda de performance e sua instabilidade abriram espaço para o surgimento de soluções rivais que lhe tiraram o trono.
8) Microsoft Comic Chat (1996-1999)
Muito antes de Mark Zuckerberg sequer entrar para a faculdade e muito menos pensar em Metaverso, a Microsoft tinha um time chamado de Microsoft Research Virtual Worlds, dedicado a explorar novas possibilidades de interação dentro de cenários digitais. O Microsoft Comic Chat foi um produto desenvolvido nesse período, um cliente gratuito para IRC distribuído no próprio Windows. O programa apresentava um ambiente gráfico para conversação, onde os usuários utilizariam avatares para marcar uma presença visual nessa outra realidade, inspirada nos quadrinhos.
9) Microsoft Netmeeting (1996-2007)
O sonho de conversar cara a cara com seu interlocutor à distância sempre povoou a imaginação dos usuários. Embora o Microsoft NetMeeting não tenha sido o pioneiro a concretizar esse conceito, ele ousava explorar a conexão discada de sua época para trazer videoconferências para os usuários décadas antes da explosão do Zoom. A primeira versão da ferramenta estava integrada com o Internet Explorer 3. Seu funcionamento era baseado em tecnologias adquiridas das empresas Data Connection e DataBeam Corporation e seus conceitos sobrevivem até hoje em produtos como Skype e Microsoft Teams.
10) Microsoft GIF Animator (1996)
Parece bizarro, mas a Microsoft já teve um produto oficial para criação de GIFs animados. No ano de seu lançamento, as imagens divertidas estavam no começo de sua popularidade, ainda eram uma novidade e a Microsoft correu para deixar sua marca no processo. O utilitário gratuito podia ser baixado diretamente do site da empresa, mas também podia vir embutido com o Microsoft FrontPage. Seu uso era bastante simples, assim como sua interface. Por razões bastante óbvias, a Microsoft jamais atualizou o software e ele acabou desaparecendo de sua página de downloads.
11) Microsoft WebTV (1997-2013)
Antecedendo o conceito de “SmartTVs”, a WebTV Networks ousou imaginar como seria levar a internet para dentro de uma televisão. Um ano depois do lançamento comercial da primeira versão do dispositivo, a empresa foi adquirida pela Microsoft. Nascia ali a Microsoft WebTV, depois rebatizada como Microsoft MSN TV. Na prática, era um cliente fino, rodando um sistema operacional dedicado, conectado à internet por um modem discado e com saída para uma televisão convencional. Nos bastidores, servidores Solaris (substituídos bem depois por IIS), serviam de proxy e comprimiam e entregavam as páginas web.
12) Microsoft Agent (1997-2018)
Um papagaio falante na sua tela. Com um conceito tão visionário quanto ridículo, a Microsoft também antecipou o surgimento dos assistentes digitais. Microsoft Agent era uma plataforma que permitia a criação de aplicações capazes de falar através de personagens animados e oferecer assistência em diferentes cenários. O projeto utilizava ferramentas de conversão de texto para áudio assim como reconhecimento de fala. De certa forma, incorporava ideias e tecnologias oriundas do Microsoft Bob e seu legado sobrevive até hoje através de Cortana e soluções de acessibilidade da empresa.
13) Microsoft Spot Watches (2003-2008)
Outro caso do produto certo no momento errado ou mais um produto aquém das expectativas que depois foi substituído por soluções melhores? Não importa, o Microsoft Spot surgiu 11 anos antes do hoje hegemônico Apple Watch, com uma proposta muito similar: oferecer recursos de computação no seu pulso, em forma de relógio. Na realidade, “Spot” era uma abreviatura para Smart Personal Objects Technology, um conceito que a Microsoft queria levar para todo tipo de dispositivo, até mesmo cafeteiras, trazendo dados como previsão do tempo, notícias e cotações da Bolsa para o usuário em qualquer lugar a qualquer momento.
14) Windows Live Writer (2007-2014)
O pacote de ferramentas Windows Live Essentials foi uma suíte de aplicações gratuitas mas opcionais que a Microsoft oferecia. Embora produtos como email ou antivírus fizessem parte do mesmo pacote, vamos destacar o Windows Live Writer. Essa ferramenta surgiu em virtude de outra moda muito específica de sua época: os blogs. Em uma fase em que todo mundo queria publicar na internet, a Microsoft desenvolveu esse produto com o único e exclusivo propósito de escrever postagens nas principais plataformas de blogging disponíveis, oferecendo uma alternativa local às interfaces online já existentes.
15) Microsoft Silverlight (2007-2015)
Outra febre que passou pela internet foi o Flash. A possibilidade de oferecer interfaces ricas e multimídia cativou a audiência e os desenvolvedores por um tempo e gerou concorrentes. O mais famoso foi o Microsoft Silverlight, criado para servir como ponte entre designers e programadores de tecnologias da empresa, principalmente o XAML. Entre suas vantagens, estava o suporte a dispositivos móveis, problemático quando se falava em Flash, e streaming de vídeo. O Microsoft Silverlight foi fundamental para as operações da Netflix e da Prime Video, mas, assim como o Flash, foi atropelado pelo HTML5.
16) Windows Live Mesh (2008-2013)
Inicialmente sem qualquer relação com os outros programas que faziam parte do Windows Live Essentials, o Windows Live Mesh é um utilitário que permitia a sincronização e compartilhamentos de arquivos e pastas entre diferentes dispositivos. Graças a equivocadas estratégias de marketing, o produto também foi conhecido como Live Sync e Windows Live Folders (outrora conhecido como FolderShare). Independente do seu nome, ele antecipava uma funcionalidade que seria posteriormente incorporada a diversos recursos de nuvem.
17) Microsoft PixelSense (2008-2013)
Também conhecido como Microsoft Surface, mas não deve ser confundido com a linha de dispositivos Surface da Microsoft. Enfim, já deu pra perceber que nome de produto não é exatamente o forte da empresa que abriu nossa lista com o Microsoft Cobol. O PixelSense ampliava os limites das interfaces de toque, permitindo o reconhecimento de objetos do mundo real em sua superfície, através do uso de múltiplos sensores infravermelho. Ele chegou a ser comercializado para empresas e uma versão dele foi estrela no filme Minority Report. Entretanto, a novidade esfriou rapidamente e o projeto desapareceu.
18) Kinect (2010-2017)
A promessa do Kinect era surpreendente: deixar de lado os controles tradicionais de videogame e usar os movimentos de seu próprio corpo como dispositivo de entrada. O aparelho era o grande destaque do console Xbox 360 e conseguia mapear a estrutura corporal de até quatro jogadores, registrando 48 pontos de articulação. Em dez dias de seu lançamento, um milhão de unidades foram vendidas. O projeto da Microsoft era estender a tecnologia para além dos jogos, chegando em televisores e até carros. Entretanto, a baixa adesão dos desenvolvedores de jogos e a falta de grandes títulos que aproveitassem o recurso condenaram o Kinect a uma vida curta.
19) So.Cl (2011-2017)
Em 2011, a Microsoft percebeu que, assim como havia perdido a largada na internet, havia perdido também a tendência das redes sociais. Da necessidade de correr atrás do prejuízo, foi lançado So.Cl (pronunciado como “social”). Era uma iniciativa tímida, basicamente um balão de ensaio para a divisão de pesquisa da Microsoft testar ferramentas e recursos para um grande projeto que nunca veio. De resto, a plataforma trazia exatamente o que se espera de uma rede social: amigos, publicação de mensagens, grupos, compartilhamento de imagens e vídeos. Só faltou emplacar.
20) Project Spark (2014-2016)
Project Spark era uma poderosa ferramenta de Metaverso, antes do Metaverso. O programa permitia a criação de jogos, filmes e experiências interativas que poderiam ser compartilhadas, experimentadas e remixadas dentro de sua comunidade colaborativa. Ao contrário de jogos similares como Minecraft ou LittleBigPlanet, Project Spark permitia um grau de customização extremo, com elementos programáveis. De certa forma, poderia ter sido um forte competidor para o Roblox, com recursos mais sofisticados, algo que a Epic Games tenta com Core e a própria Meta busca agora com Horizon Worlds.