No exato instante em que a Apple abriu as porteiras do iOS para os bloqueadores de anúncios, esses aplicativos subiram para o topo da parada dos mais baixados da loja. A partir deste momento, uma revolução significativa na web se consolidou e, sem ter medo do exagero, podemos afirmar: nada mais será como antes.
Para entender as mudanças que estão se aproximando rapidamente no futuro e a intensa batalha que se trava nos bastidores, é preciso olhar para o passado e analisar o presente.
Um pouco de história…
Na fase mais ingênua da web, especulava-se que havia um imenso potencial para faturamento publicitário no veículo, mas não se sabia exatamente o que se estava fazendo. Sem números ou estatísticas, os grandes anunciantes viam com devida cautela o novo meio que surgia. Na dúvida, a ordem era anunciar em toda parte, sem critério, sem limites, sem foco. E com popups.
Nesse primeiro instante, a publicidade era tão intrusiva, tão desconexa com as necessidades do usuário, que os próprios navegadores desenvolveram a habilidade de bloquear popups enquanto o navegante desenvolvia o que se convencionou chamar de banner blindness, a capacidade mental de ignorar por completo os banners, como se eles sequer existissem. Em outras palavras, a publicidade na web já começou com uma relação equivocada justamente com quem deveria se conectar.
A chegada do Google alterou esse cenário.
O mecanismo de busca usado pela quase totalidade dos usuários no mundo chegou com uma proposta ousada impulsionada por um algoritmo aparentemente infalível: ajudar a encontrar o que se precisa, em uma velocidade nunca vista antes, com um nível de acerto poucas vezes alcançado. Sua qualidade de serviço lhe garantiu o monopólio na área, para o bem ou para o mal.
Entretanto, o Google não é uma organização sem fins lucrativos e manter um sistema de classificação e arquivamento de informação de toda a Internet é uma atividade de custos astronômicos. Usando sua expertise em conhecer a fundo o conteúdo de cada página, de cada site, o Google expandiu seus tentáculos em duas direções: obter ainda mais informação para aperfeiçoar sua base de dados e monetizar esse conhecimento.
Na primeira direção, temos a criação do Google Analytics, a aquisição do Feedburner, a aquisição do Blogger, a compra do YouTube. Na segunda direção, temos a criação do Google AdSense.
Inicialmente, o sistema de venda de anúncios do Google era capaz de entregar para cada página uma propaganda que fosse condizente com o conteúdo formal exibido naquela página. Na teoria, um visitante em um site de automóveis, por exemplo, estaria muito mais propenso a clicar em banners relacionados a automóveis. Com o tempo, o Google expandiu sua busca por dados para o próprio usuário: não apenas sua rede de anúncios é capaz de identificar a rota de navegação do usuário e suas atividades de busca e cliques, como o próprio usuário oferece informações espontaneamente sobre si mesmo através das contas de serviço do Google. De uma hora para outra, o AdSense passou a confiar no perfil de quem vê e cada vez menos na análise do que é visto. E é por isso que hoje você pesquisa sobre um determinado assunto e continuará vendo propagandas sobre o mesmo tema, em diferentes sites, por vários dias.
Google vs Apple vs Facebook
Atualmente, o Google (ou Alphabet, se preferir) monopoliza não apenas o setor de buscas mas o próprio setor de publicidade. Em outras palavras, a web pertence ao Google.
Entretanto, a década de 10 veio emergir não um, mas dois concorrentes de peso para esta hegemonia: Facebook e mobile. O primeiro é sua própria web fechada, com uma quantidade absurda de usuários, onde a pesquisa do Google não entra, onde a publicidade do Google não entra. O segundo é um território à parte, onde o Google tenta firmar o pé com o ambiente Android, mas onde a Apple investiu pesadamente com o iOS.
Já falamos aqui sobre como o Facebook monetiza seu espaço. É uma grossa fatia da web tradicional que o Google perdeu: muitos de seus usuários já dissociam completamente o Facebook da Internet. Com a disseminação do aplicativo em plataformas móveis, nem mesmo o navegador do Google, líder de mercado em outros segmentos, consegue uma penetração.
Em seu sistema operacional fechado, a Apple também fecha suas portas para o Google Chrome. Com a liberação de bloqueadores de anúncios também para o iOS, se consolida uma tendência que já vem assombrando o mercado de publicidade desde o desktop: mais e mais pessoas estão bloqueando a propagação de anúncios e seu alcance vem se reduzindo. Em resposta à redução da efetividade dos anúncios, a reação cega das agências de propaganda e dos geradores de conteúdo é mais propaganda, maiores anúncios, inserções cada vez mais intrusivas, pulverização do alcance com anúncios genéricos, o que gera, é claro, maior repulsa à publicidade e maior adesão aos bloqueadores, gerando um ciclo autodestrutivo. O que também explica a ascensão do paywall, do financiamento coletivo, do artigo patrocinado, como formas de driblar essa crise de confiança no banner tradicional.
O que a Apple planeja é assumir o manto de guardião da publicidade em seu iOS. Além de liberar a presença dos bloqueadores de anúncios, o iOS 9 também inclui uma busca interna que auto-completa sugestões, remove o Google da equação e mantém o usuário isolado da web. Como alternativa, a Apple oferece o Apple News, um espaço que pode e será comercializado para um tipo de propaganda negociada pela empresa e livre do alcance dos bloqueadores. Não é diferente do que o Facebook já vem fazendo e irá expandir: o Instant Articles nada mais é que um espaço (publicitário de certa forma) não-bloqueável baseado em dados coletados do usuário e cujo interesse é manter o o visitante dentro dos muros da rede social.
Não existe almoço grátis
De nada adiantam Marco Civil da Internet, neutralidade da rede, os temores de Tim Berners-Lee ou esforços da Microsoft: a web não é mais a mesma e foi dividida entre esses três gigantes. Não por acaso, cada um deles tem planos para investir em aumentar a acessibilidade dos excluídos digitais, cada um deles tem planos para inteligência artificial. O produto tanto antes como agora nessa era pós-web é a sua atenção. O usuário é o produto, os anunciantes são o cliente. Quem conseguir oferecer dados mais específicos e espaços mais garantidos para exibição de propagandas, vence essa guerra.
Quem perde? O pequeno site. Com a queda progressiva de relevância do AdSense, que funcionou por anos como um guarda-chuva para sites de todos os tamanhos possíveis, faturando na soma das partes, as alternativas não são tão favoráveis. De um lado, o Facebook e suas regras draconianas de relevância e exposição. Do outro lado, a Apple com seu novo cenário ainda em formação, incerto e igualmente hostil para o pequeno gerador de conteúdo sem poder de barganha.
Pois não se iluda: cada site que existe agora nesse minuto depende sua existência dos cliques em propagandas. Seja o Código Fonte, sejam grandes portais como o UOL, seja o pequeno blog do seu vizinho. Nenhum deles gera conteúdo diariamente sem um custo, seja em mão de obra, seja em hospedagem. Cada bloqueador de conteúdo ativado é mais um prego no caixão desta fonte de renda.
Não é uma crise com soluções simples. O usuário está descontente com os rumos da publicidade. A privacidade vem sendo violada com códigos de rastreamento. A banda vem sendo consumida com downloads cada vez maiores de scripts, cookies, conteúdo em Flash, imagens, que são servidos de servidores diferentes da página visitada e que, consequentemente, elevam o número de requisições a níveis absurdos. Uma página pode carregar até quatro vezes mais rápido sem a publicidade ou os códigos de compartilhamento O espaço dedicado ao conteúdo diminui. Esse cenário piora em plataformas móveis, onde preocupações como consumo de banda e bateria ganham importância.
Mas toda essa parafernália paga contas, sustenta o conteúdo. O que fazer?
Paz de espírito
Nos bastidores, essa polêmica vem sendo discutida exaustivamente e não é de hoje. A flexibilização do iOS 9 apenas trouxe o assunto para perto dos holofotes.
Talvez o caso mais emblemático desses estranhos tempos de “guerra” seja o aplicativo ironicamente chamado de Peace. Nas primeiras 48 horas que a Apple liberou a venda de bloqueadores de anúncios em sua loja virtual, Peace ascendeu a uma das primeiras posições. Ainda no topo, o aplicativo foi removido do ar por seu próprio criador.
Em uma postagem em seu blog oficial, Marco Arment, criador do Peace confessa que não estava em paz com sua criação. Seguem fragmentos traduzidos:
“No momento em que escrevo isso, Peace foi o aplicativo pago número um na App Store dos Estados Unidos por cerca de 36 horas. É uma realização maciça que deveria ser o ponto mais alto da minha carreira profissional. (…)
Alcançar esse tanto de sucesso com o Peace simplesmente não caiu bem, o que eu não previ, mas provavelmente deveria. Bloqueadores de anúncios vem com um importante asterisco; enquanto eles beneficiam um monte de pessoas em muitas formas, eles também ferem algumas, incluindo muitas que não mereciam ser atingidas.
(…) Eu ainda acredito que bloqueadores de anúncios são necessários hoje, (…) mas eu aprendi ao longo destes poucos dias loucos que eu não me sinto bem fazendo um e sendo o árbitro do que deve ser bloqueado.
(…) Embora eu esteja ‘vencendo’, eu não curti nada disso. É por isso que eu estou me retirando do mercado.
Simplesmente não vale a pena. Eu sou incrivelmente afortunado de ser capaz de virar as costas para uma oportunidade como essa e eu não condeno ninguém que queira tentar. Eu apenas não fui feito para este tipo de negócio.”
Arment chega a sugerir outras alternativas para o Peace e diz que está pronto para reembolsar quem já comprou o Peace e agora descobriu que o aplicativo não terá mais atualizações.
Top 5 Bloqueadores de Anúncios para iOS
Apesar da questão conflituosa, acreditamos que o leitor tem a liberdade da escolha e o Código Fonte tem o dever jornalístico de trazer a informação. Por isso, trazemos aqui uma seleção dos cinco melhores bloqueadores de anúncios disponíveis para o iOS 9.
Lembrando que esses aplicativos não são habilitados por padrão. Para que eles efetivamente funcionem, depois de baixá-los da loja da Apple, você precisa ir em Configurações | Safari | Bloqueadores de Conteúdo para ativar o bloqueador que você instalou. Lembrando também que você irá precisar de um dispositivo com um processador de 64 bits para que eles funcionem. A tecnologia não é compatível com iPhone 5c, iPhone 5, iPhone 4S, iPad 2, iPad 3, mini iPad, iPod touch 5 ou anteriores.
- 1Blocker (gratuito com restrições): a versão sem custo só bloqueia anúncios, não códigos de rastreamento. Para desbloquear todas as funcionalidades, são necessários US$2,99. Mas o pacote completo vem com 7000 bloqueadores diferentes e você pode configurar à exaustão como eles irão funcionar. E se os 7000 pré-instalados não forem o suficiente, ele possui um editor interno para você montar seu próprio bloqueador.
- Blockr (US$0.99): é mais fácil de configurar, justamente por ter menos opções. Ainda assim ele traz controle sobre que tipo de anúncio, mídia, cookies e botões sociais você pode permitir ou bloquear. Embora ele possua uma lista interna e oculta de bloqueio, você pode adicionar uma whitelist para aquilo que você confia.
- Purify (US$3.99): é a alternativa mais cara do mercado entre os mais eficientes. Assim como o Blockr, sua lista de conteúdo bloqueado é fechada e secreta, mas permite que você configure exceções. Uma funcionalidade bastante útil é a capacidade de se adicionar o site que você está visitando no Safari facilmente à sua whitelist.
- Crystal (US$0.99): usa a abordagem do tudo ou nada e não possui qualquer tipo de configuração. Ou você bloqueia tudo que faz parte da sua lista interna ou você deixa passar tudo. Por um lado você abre mão da habilidade de adicionar sites e serviços a uma lista liberada. Por outro lado, você não precisa se preocupar com configurações e o bloqueador toma conta de tudo.
- Adamant (gratuito): De uma forma geral, bloqueia tudo ou nada. Mas a versão paga oferece opções de configuração avançada. É o mais recente do lote e ainda pode mudar alguns de seus mecanismos.
O Código Fonte não cobra nada de seus usuários e é sustentado apenas pelo conteúdo publicitário. Se você valoriza o trabalho de nossa equipe e deseja continuar consumindo informação de qualidade sem custo algum, adicione nosso endereço às listas de exceção de seu bloqueador de anúncio. Agradecemos a gentileza.