No final de Setembro, após anos de um relacionamento aparentemente estável, Kevin Systrom e Mike Krieger, os fundadores do Instagram, romperam seus laços com o Facebook e deixaram para trás a empresa e o produto que ajudaram a criar.
A notícia pegou o Vale do Silício de surpresa, não somente pela súbita espontaneidade do gesto como também pelo fato de colocar um ponto final no que parecia ser uma assimilação amigável. Entretanto, a saída dos fundadores do Instagram guardava muitas semelhanças com a abrupta retirada do fundador do WhatsApp da família Facebook, um ano antes, e também ecoava mais um desconforto nos bastidores da maior rede social do mundo, um novo capítulo amargo de um longo período pontuado por embaraços semelhantes.
A dinâmica se repete: Mark Zuckerberg compra empresa promissora de tecnologia, o tempo passa, seus fundadores abandonam o barco com desgosto. O que está acontecendo?
O empresário que perdeu quase um bilhão de dólares porque quis
Para tentar entender os bastidores do Facebook e o motivo dessa evasão, é preciso recuar um ano no tempo, para a época da saída de Brian Acton, um dos criadores do WhatsApp. Uma história que, na verdade, começou quatro anos antes, com a compra da empresa pela exorbitante soma de US$22 bilhões pela companhia de Mark Zuckerberg.
Para muitos analistas, a compra não fazia muito sentido: por que o Facebook precisava comprar um aplicativo de mensagens e, principalmente, por uma cifra tão astronômica? Foi uma pergunta que Acton talvez não tenha conhecido a resposta até ser tarde demais, mas que a cúpula do Facebook conhecia muito bem: o WhatsApp poderia e iria se pagar com o tempo.
Em entrevista recente para a Forbes, Acton explicou sua decisão de deixar o WhatsApp para atrás em linhas bem claras. De acordo com o executivo, o Facebook planeja (e já está executando) quebrar dois pilares fundamentais do aplicativo de mensagens: monetização e criptografia. Por não concordar com os rumos que o WhatsApp parecia destinado a tomar, Acton deixou tudo para trás e se tornou um ferrenho opositor do Facebook. “Era como, ok, bem, você quer fazer essas coisas que eu não quero fazer. É melhor se eu sair do seu caminho. E eu fiz”, admitiu Acton.
Quando Acton e seu parceiro Jan Koum venderam o WhatsApp para o Facebook, foram inteligentes o suficiente para incluírem uma cláusula que permitia que eles se desligassem da empresa levando consigo sua parte nas ações caso o Facebook começasse a “implementar iniciativas de monetização” sem o consentimento dos fundadores do WhatsApp. Os dois empresários odiavam publicidade e desejavam manter seu aplicativo de mensagens longe de tentativas de marketing sobre seus usuários. O Facebook, em contrapartida, é essencialmente uma máquina de marketing afiada até o último dado sobre os hábitos de consumo e informações privadas de seus usuários. O que esperar de um casamento desses?
Embora raríssimas vezes Acton tenha conversado pessoalmente com Mark Zuckerberg, em seu último dia, o fundador e CEO do Facebook estava lá em seu escritório e amparado por um advogado. Acton estava determinado a pedir as contas ao perceber que a coleta de dados do WhatsApp tinha finalidades de marketing. Acton estava determinado a executar a cláusula contratual e sair por cima. No final do dia, o Facebook riu por último.
De acordo com o time jurídico de Zuckerberg, a empresa não estava “implementando” monetização sobre o WhatsApp contra a vontade de Acton, mas “estudando” essa implementação. Ele não tinha base legal para pedir as contas e, se saísse naquele momento, deixaria 850 milhões de dólares em ações na mesa.
Acton escolheu sair assim mesmo.
Há algo de errado no reino de Mark Zuckerberg…
Não que o relacionamento entre Acton e o Facebook tenha sido livre de obstáculos desde o início. Antes mesmo da conclusão da venda em 2014, Acton teve sinais de que haveria problemas no caminho.
Para a venda ser concluída, ela precisava passar pelo severo escrutínio da comissão anti-truste da União Europeia, que estava preocupada com a fusão das duas redes. O fundador do WhatsApp foi instruído pelos advogados do Facebook a participar de teleconferências com dezenas de representantes da European Competition Commission. Segundo o executivo, ele foi “treinado para explicar que seria realmente muito difícil unir ou misturar os dados entre os dois sistemas”. E também se comprometeu a dizer que essa assimilação dos dados não era do interesse nem dele, nem de Koum.
Entretanto, ele viria a descobrir mais tarde, a fusão dos dois bancos de dados era muito do interesse do Facebook e, possivelmente, uma das maiores razões para a compra. O aplicativo em si era um detalhe: o tesouro do WhatsApp era sua base de usuários e um time gabaritado de engenheiros trabalhou incansavelmente para tornar possível a união dos dados.
Dezoito meses depois, o que tinha sido considerado “muito difícil” aconteceu: os termos de uso do WhatsApp foram modificados para permitir compartilhamento de dados e Acton revela que se sentiu “como um mentiroso”. Os países membros da União Europeia não aceitaram a estratagema, o Facebook foi multado no valor de US$122 milhões mas o recurso acabou sendo validado para o resto do mundo, apesar dos protestos de associações de defesa dos consumidores. Acton não curtiu: “me deixa furioso só de relembrar isso”, afirmou em entrevista.
Embora o WhatsApp continuasse livre de anúncios, seus dados estavam sendo utilizados para sugerir novos contatos no Facebook e para alimentar a fábrica de publicidade da rede social com mais opção de direcionamento para anunciantes. Para todos os fins, o WhatsApp não era o destino dos anúncios, mas era sua origem.
#DeleteFacebook
Acton não saiu exatamente chutando portas do prédio do Facebook, mas certamente queimou algumas pontes. Sua insatisfação com o destino do WhatsApp o levou a investir pesado no Signal, um aplicativo de mensagens com forte foco em criptografia, com usuários em primeiro lugar e sem suporte a redes de publicidade. Ou seja, Acton quer o WhatsApp como deveria ter sido e aplicou 50 milhões de dólares no projeto de Moxie Marlinspike para transformá-lo em uma fundação sem fins lucrativos.
Entretanto, o golpe final viria em Março desse ano, logo após a explosão do escândalo da Cambridge Analytica. O que muitos suspeitavam era real: dados pessoais de Facebook estavam sendo compartilhados com terceiros para propósitos desconhecidos. Sabendo que o Facebook já compartilhava dados há anos do WhatsApp, Acton foi incisivo e postou uma palavra de ordem em sua conta no Twitter: “é hora. #deletefacebook”.
It is time. #deletefacebook
— Brian Acton (@brianacton) March 20, 2018
A mensagem permanece até hoje como a última manifestação pública de Acton contra seus antigos compradores. Um mês depois foi a vez de Jan Koum pedir as contas e também sair do Facebook.
E agora se vão os fundadores do Instagram
A pressão que Acton aguentou por três anos foi a mesma que Kevin Systrom e Mike Krieger aguentaram dentro do Facebook. Exceto que os fundadores do Instagram suportaram-na por seis anos seguidos, terminando com sua saída abrupta no final de setembro. A notícia foi dada pelo The New York Times e nos momentos iniciais, nem os porta-vozes do Facebook, nem os porta-vozes do Instagram sabiam o que estava acontecendo nos bastidores.
Por muito tempo, o Instagram permaneceu como um bastião de independência debaixo do teto da empresa mãe e a tensão foi mantida dentro de limites aceitáveis. Isso tudo culminaria com seus dois fundadores largando a nau à deriva, sem dar muitas explicações.
Rumores apontam que o ponto de virada foi a decisão do Facebook de não exibir mais a informação de origem quando uma foto do Instagram era compartilhada na rede social. Outros indicam que uma reorganização interna de seus executivos colocou o Instagram um degrau abaixo da cadeia de comando e Systrom e Krieger não teriam mais tanto contato direto com Mark Zuckerberg. Ambos os indicativos eram claros: o Instagram estava perdendo influência e valor no ecossistema corporativo do Facebook.
Uma vez que os dois fundadores são mais discretos do que Acton, a verdade pode demorar a aparecer, se aparecer. Em entrevista para a Wired, Systrom limitou-se a dizer que “você não deixa um emprego porque tudo estava maravilhoso”, mas também declarou que deseja o melhor para a empresa.
Entretanto, um fato permanece incontestável: o Instagram não será mais o mesmo sem seus fundadores. Systrom e Krieger participavam ativamente das decisões estratégicas do desenvolvimento da plataforma, a ponto de ganharem uma reputação de obstinados. Aparentemente, os embates frequentes com forças que não podiam vencer custaram caro aos dois executivos e os portões do Instagram estão escancarados agora.