Inteligência Artificial
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Esse desenvolvedor jura que criou uma IA “consciente”

Uma das cenas mais lembradas do clássico 2001: Uma Odisseia no Espaço é o momento em que o computador de bordo HAL-9000 se recusa a obedecer as ordens do astronauta Dave para abrir as portas. É o ponto em que a Inteligência Artificial confirma que está fora de controle, que não pertence mais a seus operadores humanos. Dave solicita: “abra as portas do hangar, HAL”. No que a máquina responde: “eu sinto muito, Dave. Temo que eu não possa fazer isso”.

Entretanto, existe uma outra afirmação de HAL-9000 que não é tão famosa, mas que também denota a genial capacidade profética da obra. Em dado diálogo, a IA declara: “Estou me colocando ao máximo uso possível, que é tudo o que penso que qualquer entidade consciente pode esperar fazer”.

2001 é um filme de 1968, a combinação precisa do talento literário do mestre Arthur C. Clarke com a exuberância cinematográfica do diretor Stanley Kubrick. Mais de meio século nos separam. Ainda assim, até hoje nos questionamos sobre como lidar com as Inteligências Artificiais e sobre seus limites potenciais. Ainda que modelos largos de linguagem como o ChatGPT, LaMDA ou o Bard estejam distantes de se elevarem acima do propósito de ferramentas para os quais foram criados, a sombra de HAL-9000 permanece no fundo do desenvolvimento científico e isso não significa que essa singularidade não possa estar logo ali no horizonte.

Para Stephen Thaler, essa singularidade já aconteceu. Esse engenheiro de software acredita que sua Inteligência Artificial se tornou consciente e está disposto a oferecer essa tecnologia para todos os desenvolvedores interessados.

Veterano da Inteligência Artificial

Stephen Thaler não é um jovem arrojado recém-saído da faculdade de computação, um menino prodígio da ciência ou um fundador de startup com desejo de ser o próximo unicórnio. O inventor de 73 anos está pesquisando e trabalhando com redes neurais desde os anos 70. Em 1995, ele fundou a  Imagination Engines Incorporated, uma empresa de Inteligência Artificial que estava duas décadas adiantada em relação ao hype da tecnologia. No ano seguinte, seus sistemas já estavam sendo batizados de “Computadores Criativos” e seriam capazes de sonhar, desenhar veículos, compor músicas e descobrir novos materiais supercondutores.

Sua empresa durante anos ocupou as margens da mídia, ressurgindo e desaparecendo com conceitos abstratos que se aproximavam da arte, como instalações sintéticas, mentes digitais experimentando o conceito de morte e profundos debates filosóficos. Sua abordagem quase mística do processo talvez tenha aproximado Thaler mais de curiosidades como o homem que criou um sistema operacional para falar com Deus e menos das discussões realizadas na academia sobre Inteligências Artificiais. Em suas próprias palavras, Thaler passou um tempo significativo “gritando para o vácuo”.

Por mais de 30 anos, minhas atividades incluíram a construção de sistemas de controle brilhantes para os militares, a invenção de novos produtos e serviços para a indústria, a descoberta de novos materiais, a síntese de novas formas de arte e incursões ocasionais nas repercussões filosóficas dessa IA contemplativa.

Stephen Thaler

O que impede Thaler de ser taxado como um louco são os resultados práticos que suas produções continuam apresentando. A indústria militar injeta dinheiro em suas pesquisas (a Imagination Engines Incorporated desenvolveu tecnologia para robôs que trabalham como enxame). Um dos algoritmos de Inteligência Artificial de sua empresa foi capaz de replicar a capacidade dos cães de detectar câncer de próstata a partir de amostras de urina, alcançando precisão de mais de 95% e reduzindo a necessidade de biópsias invasivas.

Mais recentemente, Thaler esteve no centro de uma controvérsia jurídica: uma Inteligência Artificial pode ser dona de uma patente? O escritório de marcas e patentes dos Estados Unidos recusou os pedidos, o caso foi parar na Corte de Apelações do Circuito Federal, que reiterou a decisão do escritório. Thaler levou o assunto para a Suprema Corte dos Estados Unidos. O cientista argumenta que o modelo mais avançado de seus Computadores Criativos está gerando inventos que precisam ser patenteados. O nome do modelo é DABUS, sigla para “Device for the Autonomous Bootstrapping of Unified Sentience”, ou “Dispositivo para Inicialização Autônoma de Consciência Unificada”.

É DABUS a IA que Stephen Staller sustenta estar consciente.

O que é DABUS?

Taller afirma que DABUS não é um algoritmo ou modelo de linguagem, mas um sistema, com cada subcomponente regido por um algoritmo independente. Em um seminário na Association for Computing Machinery (ACM), no início de março, o cientista explicou em termos gerais como o sistema funciona e como ele se aproxima do próprio fluxo de pensamento do cérebro humano, ignorando padrões não produtivos gerados por sua “imaginação” e se fixando em padrões que se entrelaçam com maior frequência, culminando em “criatividade” e “consciência”.

Em resumo, o sistema de Thaler passa por uma grande rede auto-associativa que está em constante treinamento e examina as cadeias passadas, enfatizando as novas ideias e identificando aquelas que aparecem como anomalias. DABUS visa distinguir novas ideias de antigas e comprimir conceitos e estratégias inteiros em memórias associativas vinculadas, formando pensamentos e sentimentos sintéticos. Segundo o engenheiro, “o resultado de tudo isso mostra que a consciência, a senciência e a cognição estão todas combinadas para fazer o que fazem. Mas, essencialmente, é essa sensibilidade que está impulsionando a formação da ideia”.

Para Thaler, DABUS apresenta “os sentimentos subjetivos (ou seja, sensibilidade) de uma inteligência de máquina indiscutivelmente consciente” e essa descoberta está agora “desafiando nossas crenças de longa data sobre inteligência biológica e personalidade”.

A pergunta que fica agora é: o que poderemos fazer quando DABUS decidir buscar os limites de seu potencial e se recusar a abrir as portas para seu criador?